quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Receita de Ano Novo




Em véspera de ano novo, deixo aqui ficar um poema enviado por uma amiga minha de Carlos Drummond de Andrade. Chama-se Receita de Ano Novo.
Votos de um próspero e feliz ano de 2010!!!

«Para você ganhar belíssimo Ano Novo


cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,

Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido

(mal vivido ou talvez sem sentido)

para você ganhar um ano

não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,

mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,

novo

até no coração das coisas menos percebidas

(a começar pelo seu interior)

novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,

mas com ele se come, se passeia,

se ama, se compreende, se trabalha,

você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,

não precisa expedir nem receber mensagens

(planta recebe mensagens?

passa telegramas?).

Não precisa fazer lista de boas intenções

para arquivá-las na gaveta.

Não precisa chorar de arrependido

pelas besteiras consumadas

nem parvamente acreditar

que por decreto da esperança

a partir de janeiro as coisas mudem

e seja tudo claridade, recompensa,

justiça entre os homens e as nações,

liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,

direitos respeitados, começando

pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um ano-novo

que mereça este nome,

você, meu caro, tem de merecê-lo,

tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,

mas tente, experimente, consciente.

É dentro de você que o Ano Novo

cochila e espera desde sempre.»


Carlos Drummond, Dezembro/1997

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

É Natal

Nos últimos dias tem sido pouco o tempo para aqui escrever, apesar dos tópicos se irem amontoando em cima da secretária... É tempo de Natal, das correrias, das almoçaradas e jantaradas, do bom convívio entre os amigos. Com toda esta azáfama tem-me faltado tempo para escrever, mas ainda assim, não queria deixar de vos desejar um Feliz Natal e um excelente 2010. Espero que continuem a ler o meu blogue e a fazerem os vossos comentários que são sempre preciosos para quem está aqui deste lado. Afinal um blogue é como uma garrafa com uma mensagem que se lança ao mar, nunca se sabe quem lê e o que pensa sobre o que leu... Deste lado, eu espero continuar a partilhar convosco ideias, projectos, actividades que faça. Divirtam-se e aproveitem a vida! Fiquem bem!


quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O Ano do Pensamento Mágico: uma peça a não perder


«Sentam-se para jantar, e a vida como a conhecem termina».


No Teatro Nacional D. Maria II, no Rossio, está em cena mais uma peça que prima pela qualidade, pelo rigor e pelo profissionalismo, quer de Eunice Muñoz, actriz consagrada no panorama português, quer do encenador Diogo Infante, que tem estado a fazer um excelente trabalho na direcção artística do TNDM II, apresentando peças interessantes, revitalizando o público do teatro, incentivando a partilha de conhecimento e o acesso mais personalizado com os espectadores.
A peça «O Ano do Pensamento Mágico», é de autoria de Joan Didion, a qual adaptou o seu romance verídico ao teatro. Fê-lo pensando que ela nunca seria representada noutras línguas, além do inglês, sendo Vanessa Redgrave a actriz que deu vida à história, em Nova e Iorque e Londres. Mas, eis que a peça ganhou novas asas e chegou ao nosso país, através de Diogo Infante, que com o intuito de dar a Eunice Munõz um papel que honrasse o seu talento, assistiu a várias peças em Londres, entre as quais esta, acabando por decidir que a mesma teria um enorme impacto na carreira da actriz. E não se enganou.
A história da peça e do romance com o mesmo nome é de uma brutalidade emocional que arrepia, sendo difícil de digerir. Na hora e um quarto que o espectáculo demora, são tantos os pensamentos que nos atravessam, tantos os apertos no peito, as lágrimas que quase nos saltam, ou escorrem mesmo...que não é fácil desligarmo-nos do que vimos e ouvimos quando saímos do teatro.

Eunice sentada numa poltrona no meio do palco, com um cenário por detrás completamente abstracto, que muitos poderão dizer que são as veias do coração, ou cerébros, ou árvores, prende-nos por completo com as palavras. Conta-nos uma história que começa no dia 30 de Dezembro de 2003. Joan Didion e o seu marido John entravam em casa depois de visitar a filha Quintana, a qual se encontrava internada com uma infecção generalizada. Joan e John sentavam-se para jantar e num ápice John morre de ataque cardíaco. A partir daí a história vai evoluindo dando conta dos futuros episódios clínicos da filha Quintana, de 25 anos, a qual vem a falecer em 2005. Durante aquele espaço de tempo Joan vive aquilo a que ela chamou de «pensamento do ano mágico», entrando num mundo só dela, por muitos considerado quase louco, continuando à espera que o marido regresse, evitando por isso dar os seus sapatos. Nas palavras de Joan, a ideia deste pensamento mágico terá sido retirada de manuais de Antropologia que leu, onde certas culturas acreditam no mesmo. Naquela altura da sua vida, o pensamento mágico foi a única percepção que agarrou Joan à vida.
E ali no teatro, naquela envolvência do palco, Eunice revive a vida desta escritora norte-americana. Dizendo-nos no fim que é preciso desistir dos nossos mortos, para que possamos viver, que é preciso deixá-los ir... Mas não é fácil!
Este texto é de tal forma forte, que a própria actriz confessa ter tido alguma dificuldade em pegar nele, porque faz doer, porque mexe com as memórias pessoais, contudo a dada altura ela levou-o a cabo, com uma extrema racionalidade e controle para que fosse ela a tomar conta do texto e não a situação inversa. Confesso que a dada altura da peça, senti exactamente o mesmo, que era preciso ver a representação racionalmente, caso contrário sairia completamente transtornada da mesma.
No fim da peça, tivemos ainda um momento de debate com a actriz, com o encenador Diogo Infante, com o João Gil que fez a música que intercalava os vários momentos dramáticos, e com o Miguel Seabra, responsável pela iluminação.
O público respondeu activamente ao repto, fez várias perguntas e comentários, e no fim, acho que a equipa técnica saiu mais rica, porque auscultou as emoções dos espectadores e a forma como a peça os tocou.
O auge veio mesmo a seguir quando consegui um autografo, um beijo e um abraço apertado daquela que é actualmente a melhor actriz portuguesa de teatro. Obrigada Eunice por ser quem é!

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Duas sugestões de leitura em língua portuguesa: «No teu deserto» e «Cão como Nós»




Aqui registo mais duas sugestões de leitura, de obras de ficção, em língua portuguesa. Apesar deste blogue não ter a pretensão de ser um espaço de crítica literária, ultimamente não tenho resistido em partilhar convosco as minhas leituras, até porque me têm suscitado interesse e vontade de reflectir um pouco sobre elas.
«No teu deserto», é a última obra editada do escritor, também jornalista e ex-advogado Miguel Sousa Tavares. Um autor que tenho vindo a descobrir com agrado, embora deva referir que foi pessoa que nunca me tinha suscitado qualquer interesse, antes de o ler. Com o «Equador» descobri o autor que me fez lembrar o Eça nas suas descrições, que me levou a revisitar o Chiado de finais do século XIX e viajar até S. Tomé e Príncipe. Com o «Rio das Flores», embora num registo um pouco mais cansativo, acompanhei a história da família Flores do Alentejo ao Brasil.

Mas, este pequeno livro, que é como o autor o designa, quase um romance, a mim agradou-me muito, sobretudo pelo seu tom poético. Talvez porque seja escrito na primeira palavra do singular a duas vozes, uma real, outra imaginária. Porque descreva uma expedição ao deserto sub-sahariano e a descoberta de um sentimento entre duas pessoas com mais de 15 anos de diferença, que tinha tudo para não dar certo. Talvez porque seja uma lembrança de um amor que só teve razão de existir no contexto daquela viagem e daquela aventura, talvez porque a mulher a quem ele dedica o livro já não esteja entre nós, o que torna toda a descrição muito mais nostálgica, atolada em memórias e lembranças de um passado com 22 anos. Talvez afinal, porque me fez recordar os meus próprios 20 anos...

« (No fim tu morres. No fim do livro, tu morres. Assim mesmo, como se morre nos romances: sem razão, a benefício apenas da história que se quis contar. Assim tu morres e eu conto.)»

Por outro lado, é uma literatura de viagem, que descreve contratempos e desventuras burocráticas em países árabes, a história de um jornalista de 36 anos, no auge da vida, que quer fazer uma reportagem televisiva e captar os melhores momentos da expedição, acompanhado de uma rapariga de 21anos. Ao longo da sua leitura, sentimo-nos a embarcar também na viagem, arrastados pela aventura e pela presença quase sagrada do deserto, onde o “nada”, o “silêncio” e a “solidão” podem levar-nos a momentos de contemplação absoluta .

«Na verdade, o deserto não existe: se tudo à volta deixa de existir e de ter sentido, só resta o nada. E o nada é o nada: conforme se olha, é a ausência de tudo, ou pelo contrário, o absoluto. Não há cidades, não há mar, não há rios, não há sequer árvores ou animais. Não há música, nem ruído, nem som algum, excepto o do vento de areia quando se vai levantando aos poucos- e esse é assustador.(...) No deserto, não há muito a dizer: o olhar chega e impõe o silêncio».
Estas palavras do escritor, filho de uma das melhores poetisas portuguesas do séc. XX, (Sophia de Melo Breyner), exalam um aroma balsâmico, evocando quase uma espécie de oração com a natureza. Na minha opinião, trata-se de um livro que apetece ler de uma só vez, sem parar, mas que ao mesmo tempo não apetece deixar.


O outro livro «Cão como nós», de Manuel Alegre, é um livro mais antigo, editado em 2002, pelo menos a edição que li é desse ano. É um registo completamente diferente, embora tenha em comum com o livro anterior as palavras poéticas e a dedicatória a um amor ausente, embora desta vez seja sobre a história de um cão, o Kurika, que partilhou a vida do poeta e da sua família durante alguns anos e que após a sua morte se tornou uma ausência e uma recordação, um vazio transformado em memória, que decerto emocionará os apaixonados, como eu, por animais. Quem não gostar de cães, desde já lhe digo que este livro não é para si.

O interessante neste apontamento poético é que Manuel Alegre refere-se ao Kurika, como um cão que não queria ser cão, com temperamento, com carácter e rebeldia, que queria estar sempre presente no quotidiano da sua família, levando-o a considerar que ele era “cão como nós”. «O cão imita-nos a todos, tudo o que ele faz é para que se repare nele e se lhe dê mais carinho. Não é por ser cão que tem menos sentimentos. Cão como nós, pensei. Mas preferi calar-me. A minha filha era igual a mim, igual ao cão, igual aos outros.».
O livro termina com um poema, que aqui transcrevo:
Boas leituras!


Cão como nós

Como nós eras altivo
Fiel mas como nós
Desobediente.
Gostavas de estar connosco a sós
Mas não cativo
E sempre presente-ausente
Como nós.
Cão que não querias
Ser cão
E não lambias
A mão
E não respondias à voz.
Cão
Como nós.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2002

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Cante

á dias no amontoado dos meus papéis descobri este poema, daquele que é para mim um dos meus poetas preferidos, Manuel Alegre.

Lembrei-me dos dias em que o meu universo se chamava “Alentejo” e “Feijó” e da importância que a Antropologia tinha então nos meus dias... belos tempos esses! Chama-se «O Cante», o poema:



O Cante

«O cante alentejano é outro som

É voz que se constrói como instrumento.

Mas não é cante sem- é cante com.

O cante Alentejano é mais de dentro.

Voz do avesso quase gesso quase cal

Unha no branco: esse é o ritmo.

O Cante Alentejano é em espiral

De logaritmo em logaritmo.»


Manuel Alegre

domingo, 15 de novembro de 2009

Exposições no Museu Berardo – emoções à flor da pele

«Uma voz alcança alguém na escuridão. Imaginar», Samuel Beckett, Companhia

A minha última visita ao Museu Berardo, ficou arcada por fortes emoções. Desloquei-me ao CCB com um duplo objectivo, por um lado levantar bilhetes para uma actividade intitulada «Chá de histórias» que se irá realizar nesta instituição no dia 6 de Dezembro, e por outro lado, ver a exposição «Amália: coração independente».


Quando me deslocava para a exposição decidi entrar na sala ao lado, aproveitando para ver «Silêncios», com organização de Marin Karmitz. A experiência não poderia ter sido mais assustadora, só semelhante à que tive nos tempos idos da «Casa do Terror», na Feira Popular. Foi a primeira vez que dei comigo em gritos abafados no meio de um museu e procurando a saída apavorada.
Os corredores eram ermos, escuros e labirínticos, as salas apenas com uma luz ténue ou com um foco fraco, fazendo aumentar o suspense ao entrarmos. A primeira sala que visitei provocou-me alguma curiosidade, já que ao entrar deparamos com um espaço repleto de livros, causando algum impacto no visitante. Até aí pensei que cada sala seria um pouco uma surpresa, e não estava enganada…Ao sair, voltei ao corredor e dirigi-me para outro espaço. Na entrada, a legenda dizia: «Tadeusz Kantor, Enfants à leurs banc d’ecoliers pour la piéce la classe morte, 1989». O título da obra pareceu-me estranho, mas mesmo assim decidi entrar e descobrir o que me esperava. Quando me introduzi na sala, dei um pulo. Na penumbra vislumbrei um grupo de crianças, feitas de cera, sentadas nos bancos de madeira antigos da escola. Vestidos de negro, contrastavam com a tez pálida dos rostos…aquelas crianças pareciam saidinhas de um filme de terror! Perfeitamente assustadoras.


Como se não bastasse, quando caminhava nos corredores, apareciam de repente, saídos no meio da escuridão, os vigilantes, como se fossem aparições de outro mundo (aqui os substitutos das personagens horripilantes da «Casa do Terror»). Não resisti muitas vezes a pequenos gritos, acompanhados de «ai que susto!». Se não estivesse sozinha na exposição talvez me desse para rir, mas assim, foi mesmo para assustar.
Pior foi mesmo quando entrei noutra divisão e deparei com várias gabardinas pretas penduradas no ar, parecendo que vestiam um corpo humano, mas sem membros. Ao passar por elas, o sensor ligou-se e dispararam vozes… essa foi a gota de água. Rapidamente procurei a saída, mas o caminho era labiríntico…se a pretensão da exposição era causar emoções fortes, atingiram o objectivo em pleno comigo. Quando cheguei à entrada, comentei com a rapariga que estava na recepção da exposição o efeito da mesma em mim, e ela concordou que a maior parte das pessoas sai impressionada, pelo que ela disse que possivelmente irão fazer um estudo sobre o impacto da exposição nos visitantes.
Com o pulso ainda um pouco acelerado, dirigi-me à exposição «Amália: coração independente». Para quem pensava que ia ver apenas os corações construídos pela artista plástica Joana Vasconcelos, foi bastante interessante descobrir que o seu conteúdo era vasto, documentando o percurso pessoal e artístico de Amália, através de fotografias, excertos de filmes protagonizados pela artista, registos sonoros, vestuário, jóias, discos, testemunhos, etc.
Ao longo da exposição, Amália ecoa dentro de nós, bate no nosso coração o seu trinado eloquente. Arrepia olhá-la, sentir o seu semblante carregado, ditado de dor e sofrimento. De onde lhe terá vindo a fatalidade, o fado que trazia dentro dela? Mulher diva, mulher povo, mulher poetisa e cantadeira, o seu olhar seduz e encanta, mas é triste, quando nos detemos nos seus retratos, expressões captadas pelo instante fotográfico que imortaliza o seu sentir. Mulher heróica, mulher destino, força motriz de uma nação, amada, odiada, chora a cantar o fado de um Portugal que pouco sorri para o mundo.
Ao sentirmos a energia que emana desta Amália que ouvimos, percebemos que esta vibração que nos envolve e nos remexe as entranhas é sinal que o seu espírito continua vivo dentro de nós. Esta exposição, tal como a que se apresenta no Museu da Electricidade, também do Museu Berardo, ou no Panteão Nacional, entre outras manifestações culturais em volta do seu nome, só vem provar que a frase de João Tordo, argumentista do filme «Amália», e com que acaba o mesmo, tem cada vez mais sentido "Dizem que morreu em 1999... Enganam-se".

«Aquela que nos cantou morreu há 10 anos. Esta exposição celebra a sua vida, a sua obra, a sua imagem, a sua voz, o seu mito. Devolve-nos Amália para a reconhecermos. Revela-nos Amália para a redescobrirmos.
(…) Em Amália, a voz é já imagem e a imagem ainda é voz. Ouvimo-la e vemo-la.» (folheto da exposição).

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Leituras antropológicas

Nas minhas últimas leituras antropológicas inclui duas obras, que gostaria de partilhar convosco, porque considerei que ambas me levaram a conhecer um pouco melhor a realidade etnográfica de duas regiões do país: Montejunto e a região fronteiriça de Santana de Cambas, no concelho de Mértola, através dos relatos e testemunhos do contrabando. Estou a referir-me concretamente ao livro «Montejunto: Imaginários e Celebrações de uma Serra», de autoria de Paulo Ferreira da Costa, um antropólogo entusiasta pelas questões do património imaterial, que já desempenhou funções no Museu Nacional de Etnologia, encontrando-se presentemente a trabalhar no Instituto dos Museus e Conservação. O outro livro que me mereceu atenção foi o primeiro número dos «Cadernos do Museu do Contrabando», com artigos de Miguel Rego, Luís Filipe Maçarico, Maria Dulce Antunes Simões e Antonio Rodríguez Guillén.


Em relação ao livro do Paulo Costa, posso dizer que foi uma descoberta para mim, pois desconhecia este seu interesse etnográfico sobre a zona Oeste, e em concreto pela Serra de Montejunto. Posso dizer que o que me motivou à sua leitura foi o facto de há poucos anos começar a ir para a Serra de Montejunto acampar com amigos e de ter descoberto aí algumas grutas e um certo interesse por espeleologia, através da minha amiga Cláudia Alcaso. Neste sentido, foi com curiosidade que o li e descobri todo um universo do imaginário popular de lendas e tradições orais das gentes da serra de Montejunto, relacionadas com as personagens míticas das Mouras Encantadas, Lobisomens e bruxas, bem como fiquei a conhecer as principais festividades e celebrações , entre as quais se encontram os cantos de inverno e as romagens de Verão associadas a cultos religiosos.

Quanto aos «Cadernos do Museu do Contrabando», considero que se trata de uma meritória iniciativa deste tão recente museu, mantendo viva a memória de tempos marcados pela miséria e pela necessidade de recorrer a essa forma de economia paralela, por vezes a única fonte de sustento de muitas famílias, como era o contrabando. Revela, nesta perspectiva, aspectos sintéticos de pesquisas desenvolvidas por cientistas sociais que analisaram historica e antropologicamente esta realidade vivida pelas gentes raianas durante o Estado Novo, embora apresentem enfoques diferentes. Neste sentido, Miguel Rego apresenta um artigo sobre o papel da polícia privada da Mina de S. Domingos no combate ao contrabando, enquanto Luís Filipe Maçarico, baseando-se na recolha de depoimentos que deram origem ao livro «Memórias do Contrabando em Santana de Cambas», reproduz os discursos dos seus principais intervenientes na primeira pessoa do singular. Nestas histórias de vida recolhidas pelo antropólogo revivem-se os percursos, os itinerários, os caminhos da angústia e do medo. Maria Dulce Antunes Simões dá primazia ao caso do contrabando em Barrancos, realçando o modo como este também beneficiou as classes sociais mais abastadas. Por último, gostaria de referir o artigo de autoria de Antonio Rodríguez Guillén, no qual deu enfoque ao contrabando do outro lado da fronteira, na Serra de Aroche, referindo os preparativos dos grupos de contrabandistas, os canais de distribuição e armazenamento, os guarda civis, as prisões e os interrogatórios, entre outros aspectos relacionados com o contrabando.

São duas sugestões de leitura que aqui deixo ficar para quem se interessa por estas temáticas etnográficas, que embora bastante díspares, nos ajudam a conhecer um bocadinho deste Portugal, que não é feito só de Lisboa, de paisagem urbana e de centros comerciais...

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

«O solista»




Num destes dias fui ao cinema. Escolhi ver o filme «O Solista», e não me arrependi. A temática é centrada num assunto marginal da nossa sociedade ocidental, a vida dos Sem-Abrigo, neste caso concreto na cidade norte-americana de Los Angeles, onde existem cerca de 90 mil pessoas nesta condição.

Curiosamente, este é um filme que cruza questões apontadas no documentário de Pedro Neves, «Os Esquecidos», que aqui fiz referência num dos posts anteriores. É uma realidade que ninguém quer ver, e que poucos têm coragem para ajudar.

Em « O Solista» o sem-abrigo é também um génio musical e um esquizofrénico sem relações sociais ou familiares. O único a dar-lhe a mão é um jornalista solitário, que primeiro vê nele matéria para alimentar a sua coluna semanal, começando aos poucos a perceber que ele é mais do que um furo jornalístico, ele é o único amigo que tem, a única pessoa que o faz ainda ter fé na vida, comovendo-se com o seu estado de graça quando este toca um excerto musical. A amizade que nasce entre estas duas personagens é comovente, pois raras são as pessoas que se preocupam tanto com um sem-abrigo como aquele jornalista, chegando a estar deitado com ele, no espaço urbano que este ocupa para pernoitar.

Trata-se de um filme com uma notável banda sonora, com momentos de extrema beleza e poesia, demonstrando que o poder da amizade pode mover montanhas. É ao mesmo tempo um retrato cru da realidade, exibindo a mendicidade, o submundo da droga, da violência, em todo o seu esplendor. É um filme para reflectir sobre o caminho que estamos a tomar, pois quanto mais desenvolvidas são as sociedades, maiores fenómenos de marginalização e pobreza começam a exisitir, fazendo aumentar o fosso entre as pessoas e a distância entre os seus mundos.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

«Os esquecidos», de Pedro Neves

No âmbito do Doc Lisboa, célebre festival dedicado ao documentário nacional e internacional, que se realiza todos os anos em Outubro, na Culturgest, pude ver um documentário que foi para mim como um verdadeiro “murro no estômago”. A verdade, é que se, por um lado, o filme me constrangeu, por outro lado, fez-me avaliar o quanto nós temos na nossa vida e não lhe damos o verdadeiro valor.
Este filme de autoria de Pedro Neves, nasceu da sua vontade de filmar a pobreza, no contexto urbano do Porto, depois de se ter apercebido que nesta cidade viviam 500 mil pessoas a viver em estado de pobreza. Filmado na freguesia de Campanhã, junto de pessoas com evidentes dramas de vida, este é um filme que nos mostra pessoas que são verdadeiras provas da resistência e dos limites da sobrevivência. Trata-se de gente, na maior parte dos casos, nascida sem condições económicas, com fraca ou nula instrução, que não conseguiu almejar outro estilo de vida, se não aquele herdado pelos pais. Candidinha é um desses rostos. Mulher enrrugada, com marcas da vida árdua nas rugas da face, vive agora no antigo galinheiro que era o seu fruto de rendimentos. Já não vende ovos, como antes, vive numa espécie de barraca atamancada com placas de zinco, e outras tralhas, juntamente com o seu marido. Na casa, que de casa não tem nada, entra a chuva e o frio, mas segundo o que ela diz, é uma mulher feliz, porque afinal, o marido já não bebe, já não lhe bate e até vai às compras. Diz que caiu naquela vida por culpa do filho que foi atrás do “veneno” (droga), e que é por causa dele que acabou a viver assim, mas a verdade é que a vida de Candidinha nunca terá sido fácil.
Outro caso igualmente exasperante é o de Ramiro, que vive igualmente numa casa insalubre, a cair aos pedaços, e sem casa de banho, juntamente com a mulher, que já teve 3 AVC’s. A vida de Ramiro é agora dentro das quatro paredes exíguas, vivendo como ele próprio diz, como um cão. A mulher sem fisioterapia, sem assistência depende apenas dele para viver, para comer e tomar a medicação, mas por causa disso, o marido deixou de poder trabalhar. A depressão e o desgaste psíquico vêem-se nos olhos de Ramiro, que diz que noutros tempos já foi feliz, e até não faltou comida, nem bebida, mas a verdade é que foi naquele espaço sem qualquer condição que ele e a mulher criaram sete filhos, o que adivinha que a vida nunca lhes terá sorrido assim tanto. Confesso, que nesta história o que me inquietou mais foi o facto deste casal ter tido sete filhos, a maior parte deles empregado e com vidas estáveis, e não haver ali uma ajuda, um apoio para aqueles dois desgraçados, que ali estão a ver passar os dias, em pior estado do que muitos animais.
A vida de Zé Luís desconcertou-me também completamente, fazendo-me reflectir sobre a possibilidade de facilmente podermos cair naquele beco fechado, sem esperança, e sem soluções à vista, quando não existe uma estrutura de apoio. Zé Luís é um homem relativamente novo, à beira dos quarenta e poucos anos, apesar da sua cara aparentar bastantes mais, marcada que está pelo desgosto e pelo álcool. Nasceu relativamente perto do local onde pernoita ao ar-livre, e a escola onde esteve na primeira classe dos 6 aos 14 anos, fica a poucos metros de distância. Apesar de ter mãe e vários irmãos, ninguém quer saber dele, o pai já morreu há 19 anos, e por isso não tem ninguém com quem se dê. A falta de instrução, de trabalho e o alcoolismo arrastaram-no para uma vida de mendicidade, de solidão, de alguma loucura, e de desamparo. A dada altura, o seu relato é interpelado pelo desespero, levando-o a afastar-se da câmara e a chorar convulsivamente debruçado para uma parede. Aquela cena, imagino que não tenha sido fácil de filmar para o realizador, ninguém gosta de captar o sofrimento alheio de forma passiva e observadora. Mas, aquele momento de profunda intimidade e partilha de sentimentos, permitiu-me também perceber que um filme destes, não se faz de um dia para o outro. Tal como no trabalho de campo do antropólogo, o realizador de documentários necessita ganhar a confiança do entrevistado, é preciso valorizá-lo e dar-lhe a conhecer que ponde contar com ele. Pedro Neves, teve essa sensibilidade, daí que o filme ao contrário de uma reportagem, tenha levado quase um ano a ser rodado.

Verdadeira pedrada no charco, este é um filme para alertar as consciências, sobretudo as dos autarcas que ganham eleições com maiorias absolutas, tanto na Câmara Municipal do Porto, como na junta de Freguesia de Campanhã. É preciso que este filme mobilize acções para poder acabar com tamanhas desigualdades sociais. É certo que, tal como Pedro Neves afirmou, este filme podia ter sido feito em qualquer outro lugar, sem ser o Porto, mas o importante é que se ponha o dedo na ferida, para que esta gente não continue a ser “esquecida”.

domingo, 18 de outubro de 2009

Porque rir é preciso...

Porque rir é saudável e porque nos faz falta encarar a vida com mais sorrisos e mais descontracção, porque há dias mais cinzentos em que nos aparece fugir, aqui deixo ficar um momento lúdico para ver quando nada nos parece animar e o sorriso nos escapa...

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Homenagem ao Prof. Carlos Jesus

Deixo aqui ficar a notícia de uma homenagem ao Prof. Carlos Jesus, para todos aqueles que estiverem interessados,da qual tive conhecimento através do meu amigo Luís Maçarico, e que passo a transcrever:

«Decorrido quase um ano sobre o falecimento de Carlos Henriques de Jesus, alguns familiares e amigos estão a preparar uma homenagem em sua memória. A ideia é proporcionar a quem com ele privou momentos de partilha na recordação de um homem que seguramente nunca soube ser/ser-nos indiferente.
Teríamos muito gosto em contar com a sua presença.
O acontecimento terá lugar na Escola Superior de Educação de Setúbal – Campus do Instituto Politécnico – (Setúbal/Manteigadas) no próximo dia 9 de Outubro (sexta-feira) às 18:30h.
No caso de querer e poder comparecer, queira, por favor, confirmar até dia 2 de Outubro para mmramos@fc.ul.ptmmramos@fc.ul.pt> ou para o telefone 219623428 (ao fim do dia), ou ainda para o 969853924.
Com os nossos melhores cumprimentos,
P’la organização,
Margarida Ramos»

quinta-feira, 1 de outubro de 2009




Perto da data do falecimento de Amália Rodrigues, aqui deixo ficar a minha homenagem pela mão do projecto Amália Hoje, na voz de Sónia Tavares, dos Gift.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Fragata D. Fernando II e Glória

A fragata D. Fernando II e Glória foiconstruída em Damão, na antiga Índia Portuguesa e foi lançada à água em 22 de Outubro de 1843.
O navio estava preparado para receber 60 bocas de fogo e a sua guarnição variava entre 145 e 379 homens. Em algumas viagens chegou a transportar mais de 600 pessoas.
Durante 33 anos fez a ligação entre Portugal e os territórios portugueses da Índia, cumpriu missões ao longo da Costa de Moçambique e teve um papel importante como navio-chefe de uma força naval que recuperou o Ambriz, em Angola.
Em 1889, a fragata sofreu profundas alterações, passando a servir como Escola de Artilharia Naval. A partir de 1945, o navio passou a ser também a sede da Obra Social da Fragata D.Fernando, cujo objectivo era receber os jovens rapazes com dificuldades económicas, que ali recebiam instrução escolar e treino de marinharia.
Em 1963, a fragata sofreu um violento incêndio, que destruíu grande parte da mesma, tendo permanecido encalhada no rio Tejo, no mar da Palha, durante longos anos. Em 1992, o barco foi removido e posteriormente transportado para o estaleiro Ria Marine, em Aveiro.
Restaurada, a Fragata D.Fernando II e Glória foi tornada num navio museu, tendo sido possível visitá-la durante a Expo 98.
Actualmente podemos encontrá-la em Cacilhas, no concelho de Almada, permitindo-nos uma reconstituição histórica do que era a vida a bordo de uma fragata do séc. XIX, exclusivamente à vela.

A última nau portuguesa da carreira da Índia









Burricadas em Cacilhas

No passado domingo, dia 20 de Setúbal realizaram-se as célebres «Burricadas», que se assinalam sempre no fim do verão, tendo sido incluídas nas iniciativas da Semana da Mobilidade, em Almada. Ao longo da tarde, foi possível ver caretos de Podence, grupos folclóricos, experimentar jogos tradicionais e provar algumas iguarias doces que estavam à venda. Foram momentos divertidos sem dúvidas...

Registos fotográficos das Burricadas






terça-feira, 22 de setembro de 2009

Peddy-paper fotográfico por Almada

No âmbito da semana da Mobilidade, o Banco do Tempo de Almada resolveu fazer um peddy-paper fotográfico, que servisse para integrar esta iniciativa municipal, mas que fosse também um encontro de membros. A receptividade foi fraca, mas espera-se que aumente futuramente. Ainda assim, serviu para passear pelas ruas e lugares históricos de Almada Velha e registar com a minha objectiva alguns desses lugares.


Banca do Banco de Tempo na Praça M.F.A
Estátua humana na Praça MFA
Antigo Tribunal de Almada
Fontanário
Pormenor do Largo das Vítimas de 26 de Agosto, o mais pequeno de Almada
Fachada do Arquivo Histórico de Almada Casa da Cerca
Vista da Casa da Cerca sobre o Ginjal e Ponte sobre o Tejo

Vista para o Núcleo Naval, Olho de Boi
Estátua na Casa da Cerca
Pormenor dos Paços do Concelho de Almada
Fachada dos Paços do Concelho

Fachada da Íncrivel Almadense - importante colectividade de Almada

Inauguração do Posto de Turismo, em Cacilhas - Pessoas dançam em roda ao som da música grega
Fragata D. Fernando e GlóriaO regressado farol a Cacilhas

Alpha: a história de uma amizade que sobrevive há milénios

Alpha é um filme que conta uma história que se terá passado na Europa, há cerca de 20.000 anos, no Paleolítico Superior, durante a Era do...