sábado, 12 de maio de 2012

Livro «Novo Amanhecer» de Rosa Dias

Realizou-se ontem, dia 11 de maio, na Junta de Freguesia do Laranjeiro, a apresentação do livro de poesia de Rosa Dias, «Novo Amanhecer».
Contou com a presença do prof. Alexandre Castanheira, Ana Machado, a signatária deste texto, e Francisco Naia, músico.


Foi uma noite especial para homenegear a Rosa Dias, a sua pessoa e a sua obra...uma noite especial não fosse ela dedicada à Rosa.
Deixo em baixo o texto que apresentei para a Rosa:

Em primeiro lugar, e sem querer cair em lugares comuns e em clichés formais, queria expressar publicamente um agradecimento à Rosa Dias, por me ter convidado para estar hoje aqui a falar deste livro e da sua pessoa. Sei que já o ouviu de muita gente, com certeza por ser verdade, mas para mim é uma grande honra embora também uma enorme responsabilidade falar da sua obra.
Este é o quarto livro da Rosa, tendo já publicado anteriormente, «O sentir do Alentejo», em 1985, «Toadas Alentejanas», em 1989, e «Anexins e nomes engraçados de Campo Maior», em 1997. Por ter um intervalo de cerca de 14 anos em relação à data de edição do livro anterior, este era um livro há muito aguardado, por todos os que se acostumaram a ouvir a Rosa em diversas iniciativas. Apesar de não editar, durante esse compasso de tempo, não se pode dizer que a Rosa tenha estado parada, pois continuou sempre a escrever, conjugando a escrita com o seu papel de mulher, de mãe e de avó. Viajou um pouco por todo o país, e até mesmo até ao Brasil, percorrendo muitos palcos para declamar o Alentejo, algumas das vezes, acompanhada pelo grupo de «Cantadeiras da Alma Alentejana». Também assinou letras de algumas saias de Campo Maior e deu o mote a alguns fados, gravados por fadistas conhecidos. Em todas essas ocasiões, nunca se cansou de distribuir poesia e sorrisos a quem a recebeu de braços abertos.
Foi aliás numa dessas declamações de poesia, que a conheci no Feijó, em 2000, e confesso que desde aí ficava sempre fascinada ao ouvi-la sobretudo quando dizia poemas sobre Campo Maior. Dotada de uma energia contagiante, a Rosa transmite-nos na sua poesia tudo aquilo que ela é, sendo reveladora do seu caráter generoso, das suas convicções e ideais verticais. Basta ler os seus livros para reconhecermos que na Rosa não há artificialismos nem ambiguidades.
 Neste intervalo de tempo em que não publicou, a Rosa conheceu também dias nebulosos, toldados pela angústia e o receio, dias que puseram à prova a sua força e a sua capacidade de ultrapassar as dificuldades, tendo sido graças à sua fé e à sua esperança que de novo se ergueu. Este livro devolve-nos uma Rosa inteira, mais determinada ainda, cheia de vontade de viver e de escrever, prova que é certo o ditado que diz: «o que não nos destrói, torna-nos mais fortes». Este livro é a prova material, que já «rompeu a bela aurora» e há um «novo amanhecer» na sua vida. Nesta obra, a Rosa reúne não só alguns poemas escritos neste período de renascimento, mas também muitos dos poemas que tão bem conhecemos e que tem declamado em muitos espetáculos nos últimos anos.
Como já referi anteriormente, a sua poesia tem como principal mote o Alentejo, com particular enfoque Campo Maior, de onde é oriunda. Os seus poemas são como retratos de paisagens, havendo quem lhe chame mesmo de “poetisa paisagista”, pois Rosa Dias ilustra os seus poemas com vivas pinceladas de cores, cheiros e sonoridades. Tudo na sua poesia é sensorial, como a autora que os escreve. Ao lê-la facilmente nos transpomos para um Alentejo pintalgado de flores, cegonhas e searas verdes, de casas branquinhas pela cal, com cortinas de riscas e janelas de ferro forjado. Ouvimos as animadas saias, o som das castanholas e o toque da pandeireta, os cantes da mocidade, rodopiando no baile até ser dia, sem parar. Provamos deliciosas iguarias como a cericaia, a broinha e tortilhas, saboreamos um gaspacho e um prato de migas, bebemos um café de “sculatera” e aquecemos os pés sobre as braseiras de uma camilha. Recuamos a um tempo passado repleto de memórias e lembranças familiares da Rosa ainda menina.
Neste sentido, para a Rosa Dias se o Alentejo é paisagem, é também tradição, descrevendo-nos com rigor a arte de um povo, os seus hábitos e costumes, realizando, como o afirmou Luís Maçarico, uma Etnografia da Memória através da sua poesia.
Ao lembrar os tempos de outrora, dá-nos a conhecer assim um modo de vida passado, uma vida alicerçada pelos trabalhos árduos do campo, pelo convívio dos serões em família, “em que se repousava a fadiga”. Retoma ditos e modos de falar de antigamente, descreve as festas de Campo Maior, com as suas flores coloridas que fazem lembrar um jardim, e enaltece a expressão de arte deste povo. «Chegam floridas as festas, trazendo a cor, o bulício» e a vida a Campo Maior. Nas ruas, cheira a flores e a café torrado, e soam as animadas saias que põem o povo a cantar.
Nos seus poemas homenageia-se também a força e valor do homem alentejano, o seu saber empírico que contrasta com os conhecimentos das cátedras, conhecimento gravado nas mãos de trabalho que semeiam e colhem o pão e tratam a terra dura. Enaltece-se a coragem das ceifeiras nas suas difíceis condições de vida, trabalhando sob um sol tórrido, escondendo a dor e o sofrimento numa cantiga, e denuncia-se este triste fadário das gentes do Alentejo, em tempos que já lá vão, porque hoje o tempo é de mudança, “hoje o fado é outro”, como nos diz a Rosa.
Apesar de não ter tido tempo para estudar mais do que a escolaridade obrigatória quando era menina, a poesia de Rosa Dias não se podia aprender, senão na vida. Nada do que escreve se aprenderia numa cartilha, nem nos manuais de literatura. A sua sensibilidade, o seu olhar apurado, a sua experiência de vida traduz-se em vários apontamentos poéticos, insurgindo-se contra as injustiças, apregoando valores de solidariedade e fraternidade, gritando as verdades que não consegue calar.
A sua poesia é assim também um modo de afirmação das suas crenças, do seu desejo de liberdade, de expressar o que é, e o que sente, sem amarras, nem restrições. É a voz de uma mulher que sabe o que quer e sabe agarrar as oportunidades, como nos demonstra no seu poema «Eu quero»: “ Eu quero soltar este grito sufocado/ Molhar meu rosto com a lágrima da alegria/Dizer o verso pelo tempo aprisionado/ E gargalhar por enfim chegar o dia”.
No capítulo deste livro, que Rosa apelida de poesia pessoal, a poetisa declara o seu valor pela vida, assume a força do seu querer e da sua determinação e torna a percorrer as ruas de Campo Maior, regressa de novo à sua casa de infância, onde foi tão feliz, aquela que tinha uma varanda, mas não tinha uma janela. Desabafa a valsa da vida quotidiana de uma mulher, rodopiando pelas múltiplas tarefas que realiza e os variados papéis que desempenha, exaltando assim a condição feminina perante a atribulada vida moderna. « Faço várias piruetas/ E lá vou rodopiando/ E assim às páginas tantas/Sem sapatilhas nem ponto/ Neste salão que é meu lar/ levo os dias a valsar».
A família desempenha um outro pilar para Rosa, encontrando-se alguns poemas dedicados a esta, como são  «Meus netos», «O Neto que Deus me Deu» e o poema «Pais».
Na última da parte deste livro «Novo Amanhecer», encontra-se um conjunto de poemas diversificado, que demonstram a força da expressão desta poetisa popular, sobre variados aspetos, impressões que Rosa foi deixando no papel sobre momentos ou ocasiões que marcaram o seu percurso de vida e a história do seu país.
Entre estes, admiro particularmente, por motivos pessoais, que se prendem ao facto de ter vivido intensamente o incêndio do Chiado, em 1988, por lá viver na altura, o poema «Lisboa fez-me chorar», onde a alentejana de Campo Maior, toma as dores da cidade que a acolheu em jovem, e sofre pela perda da sua baixa esventrada e queimada, numa madrugada de dor e tristeza.
Neste capítulo encontramos ainda outros poemas, uns dedicados ao 25 de abril, outros aos poetas como Camões ou mesmo declamadores e atores como Mário Viegas. Noutros canta-se um fado, percorre-se a calçada portuguesa e avista-se um sobreiro em Lisboa, que faz recordar o Alentejo, dá-se um passeio à Baía do Seixal, e louva-se a mulher e a criança, respeita-se o voluntariado como um ato de amor desinteressado.Este livro é um «Novo Amanhecer» para a Rosa que o viveu intensamente, mas também para os seus leitores, pelo privilégio que nos dá de renascer através da sua poesia, das suas palavras e da sua sensibilidade, refrescando-nos da carga pesada dos dias que se assomam, trazendo-nos esperança de uma melhor humanidade, assente nos valores de amizade, lealdade, solidariedade e justiça. Por tudo isto, Rosa muito obrigada por este livro. Continue sempre a escrever e não cale nunca o Alentejo que vive dentro de si!

2 comentários:

oasis dossonhos disse...

Ana: Como sempre é um prazer ler-te. Seja como antropóloga, seja como cidadã, ou poetisa.
Escreves com um olhar único, com a paleta do coração, pintando horizontes de ternura. E mesmo quando é preciso a emoção ficar aquém, a tua caneta fala de um mundo à escala humana. O olhar de quem estuda é o de quem não renega o prazer da escrita. Por isso se lê tão bem esta tua partilha de saberes. Bjs

Ana disse...

Luís, tu emocionas-me com as tuas palavras...sabes como sou, só consigo escrever com o coração...até em etnografia. Por isso tudo o que aí escrevi e disse à Rosa saiu mesmo de dentro de mim...Beijinhos e obrigada pelas tuas palavras de ternura.

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