terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Feira da Ladra enquanto espaço colectivo

A Feira da Ladra é um espaço que se constrói simbolicamente em actos contínuos em cada terça e sábado.Nos restantes dias, o espaço que ocupa é um lugar quase destinado a parque de estacionamento sem grande intensidade colectiva, onde o espaço público é seguramente, apenas um lugar de passagem para quem ali trabalha ou reside.
É enquanto Feira da Ladra, que este espaço se transforma e ganha vida, tornando-se o Campo de Santa Clara num verdadeiro pólo centralizador da cidade, atraindo e catalizando “multidões”. Quem a visita desconhece, quase sempre, o verdadeiro espaço físico que a rodeia, ao ponto de se surpreender quando por ali passa em dias em que não há feira. É pois um lugar antropológico que se reaviva e esmorece constantemente, conforme os dias da semana.

As sociabilidades

Em dia de feira, há algo no seu ambiente que nos faz esquecer que estamos em Lisboa. O retrato que dela podemos tirar dá-nos conta de uma rede de sociabilidades muito intensa, quer entre os vendedores uns com os outros, através do convívio que estabelecem ao longo do tempo, quer no tipo de relação que se estabelece entre estes e os compradores.
A lógica do citadino que passa friamente sem se tocar, aqui não parece fazer sentido, embora o anonimato se faça sentir, pois nem todos os indivíduos que visitam a feira se conhecem. Porém, existe algo que apela à relação, nem que seja pelo simples facto que muitos dos produtos são regateados.

«Os clientes vêm ter connosco devido a uma tradição, uma certa amizade que já se interpõe, uma certa confiança. Nós temos de fazer um esforço que as lojas normalmente não fazem. Grande parte das pessoas vêm aqui e precisam de uns ouvidos para as escutar, precisam de desabafar e na loja há sempre aquele limite, aquela distância.» (um vendedor de roupa)

Um outro dos aspectos interessantes desta feira é que há lugar para pessoas de todas as ideologias, cores, raças ou credos, desde ciganos, sul-americanos, africanos, heavy metals, punks, reggaes, vanguardas, hippies, fadistas, gente de classe alta e baixa. Enfim, uma grande mistura de estilos que reflectem o percurso de vida de cada um.
A Feira da Ladra é, assim, um verdadeiro encontro de culturas e tradições, por outro lado, é um espaço onde as diferenças se assumem e afirmam.

Os conflitos

Ao contrário do que se possa pensar, os conflitos são também, um dos aspectos que caracterizam um lugar antropológico, na medida em que evidenciam o poder do controlo social existente e avivam as relações entre os indivíduos.
A Feira da Ladra é também um lugar de conflitos. Muitos deles passam-se entre os vendedores, se bem que nunca atinjam proporções graves, devendo-se sobretudo a invejas ou intrigas, resultantes de alguma concorrência entre eles.
Outro foco de conflitos verifica-se muitas vezes entre os fiscais e os feirantes. Estes casos incidem geralmente entre os jovens e entre os vendedores que não possuem licença vender. Quando os casos tomam proporções mais sérias, a polícia intervém.
Outro foco constante de conflito tem a ver com os roubos que ali se praticam, pois a feira, tal como o próprio nome indicia, é um dos pontos da cidade mãos conhecido pelos negócios ilícitos que ali se promovem e onde se procura desfazer de mercadorias, provavelmente roubadas. Assim, muitas são as vendas de material roubado e muitos os proprietários que a ela acorrem na esperança de reaver os seus pertences furtados ou desaparecidos.
Podemos ver assim que, se por um lado, este espaço promove o encontro, o diálogo e as sociabilidades “positivas”, este é também um espaço em que se convive com o engano, surgindo por vezes situações inclusive de violência e de actuação policial.

2 comentários:

Helena Teixeira disse...

Sempre achei muita piada a Feira da Ladra - Feira do Relógio :)

Aproveito e deixo um convite: participe na Blogagem de Fevereiro do blogue www.aldeiadaminhavida.blogspot.com. O tema é: “O Carnaval e as suas Tradições”. Basta enviar um texto máximo 25 linhas e 1 foto para aminhaldeia@sapo.pt (+ título e link do respectivo blog) até dia 8 de Fevereiro. Participe. Haverá boa convivência e prémios (veja mais hoje no blog da Aldeia)!

Jocas gordas
Lena

rosa disse...

Parabéns por todo o trabalho divulgado neste blogue.
Deixo aquele abraço da amiga certa
Rosa Dias

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