segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Poesia de Rosa Dias

 
Partilho hoje aqui no blogue uma poesia dedicada a Campo Maior, dita pela grande poetisa Rosa Dias. Imagens captadas em 2012, na Casa do Alentejo, por Ana e Catarina Machado, para um curso de verão, de Registo Oral, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. 

A poesia de Rosa Dias tem como principal mote o Alentejo, com particular enfoque Campo Maior, de onde é oriunda. Os seus poemas são como retratos de paisagens, havendo quem lhe chame mesmo de “poetisa paisagista”, pois Rosa Dias ilustra os seus poemas com vivas pinceladas de cores, cheiros e sonoridades. Tudo na sua poesia é sensorial, como a autora que os escreve. Ao lê-la facilmente nos transpomos para um Alentejo pintalgado de flores, cegonhas e searas verdes, de casas branquinhas pela cal, com cortinas de riscas e janelas de ferro forjado. Ouvimos as animadas saias, o som das castanholas e o toque da pandeireta, os cantes da mocidade, rodopiando no baile até ser dia, sem parar. Provamos deliciosas iguarias como a cericaia, a broinha e tortilhas, saboreamos um gaspacho e um prato de migas, bebemos um café de “sculatera” e aquecemos os pés sobre as braseiras de uma camilha. Recuamos a um tempo passado repleto de memórias e lembranças familiares da Rosa ainda menina.
Neste sentido, para a Rosa Dias se o Alentejo é paisagem, é também tradição, descrevendo-nos com rigor a arte de um povo, os seus hábitos e costumes, realizando, como o afirmou Luís Maçarico, uma Etnografia da Memória através da sua poesia.
Ao lembrar os tempos de outrora, dá-nos a conhecer assim um modo de vida passado, uma vida alicerçada pelos trabalhos árduos do campo, pelo convívio dos serões em família, “em que se repousava a fadiga”. Retoma ditos e modos de falar de antigamente, descreve as festas de Campo Maior, com as suas flores coloridas que fazem lembrar um jardim, e enaltece a expressão de arte deste povo. «Chegam floridas as festas, trazendo a cor, o bulício» e a vida a Campo Maior. Nas ruas, cheira a flores e a café torrado, e soam as animadas saias que põem o povo a cantar.
Nos seus poemas homenageia-se também a força e valor do homem alentejano, o seu saber empírico que contrasta com os conhecimentos das cátedras, conhecimento gravado nas mãos de trabalho que semeiam e colhem o pão e tratam a terra dura. Enaltece-se a coragem das ceifeiras nas suas difíceis condições de vida, trabalhando sob um sol tórrido, escondendo a dor e o sofrimento numa cantiga, e denuncia-se este triste fadário das gentes do Alentejo, em tempos que já lá vão, porque hoje o tempo é de mudança, “hoje o fado é outro”, como nos diz a Rosa.

Apesar de não ter tido tempo para estudar mais do que a escolaridade obrigatória quando era menina, a poesia de Rosa Dias não se podia aprender, senão na vida. Nada do que escreve se aprenderia numa cartilha, nem nos manuais de literatura. A sua sensibilidade, o seu olhar apurado, a sua experiência de vida traduz-se em vários apontamentos poéticos, insurgindo-se contra as injustiças, apregoando valores de solidariedade e fraternidade, gritando as verdades que não consegue calar.
A sua poesia é assim também um modo de afirmação das suas crenças, do seu desejo de liberdade, de expressar o que é, e o que sente, sem amarras, nem restrições. É a voz de uma mulher que sabe o que quer e sabe agarrar as oportunidades, como nos demonstra no seu poema «Eu quero»: “ Eu quero soltar este grito sufocado/ Molhar meu rosto com a lágrima da alegria/Dizer o verso pelo tempo aprisionado/ E gargalhar por enfim chegar o dia”.

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