Partilho hoje aqui no blogue uma poesia dedicada a
Campo Maior, dita pela grande poetisa Rosa Dias. Imagens captadas em 2012, na
Casa do Alentejo, por Ana e Catarina Machado, para um curso de verão, de
Registo Oral, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas.
A poesia de Rosa Dias
tem como principal mote o Alentejo, com particular enfoque Campo Maior, de onde
é oriunda. Os seus poemas são como retratos de paisagens, havendo quem lhe
chame mesmo de “poetisa paisagista”, pois Rosa Dias ilustra os seus poemas com
vivas pinceladas de cores, cheiros e sonoridades. Tudo na sua poesia é
sensorial, como a autora que os escreve. Ao lê-la facilmente nos transpomos
para um Alentejo pintalgado de flores, cegonhas e searas verdes, de casas
branquinhas pela cal, com cortinas de riscas e janelas de ferro forjado.
Ouvimos as animadas saias, o som das castanholas e o toque da pandeireta, os
cantes da mocidade, rodopiando no baile até ser dia, sem parar. Provamos
deliciosas iguarias como a cericaia, a broinha e tortilhas, saboreamos um
gaspacho e um prato de migas, bebemos um café de “sculatera” e aquecemos os pés
sobre as braseiras de uma camilha. Recuamos a um tempo passado repleto de
memórias e lembranças familiares da Rosa ainda menina.
Neste
sentido, para a Rosa Dias se o Alentejo é paisagem, é também tradição,
descrevendo-nos com rigor a arte de um povo, os seus hábitos e costumes,
realizando, como o afirmou Luís Maçarico, uma Etnografia da Memória através da
sua poesia.
Ao lembrar
os tempos de outrora, dá-nos a conhecer assim um modo de vida passado, uma vida
alicerçada pelos trabalhos árduos do campo, pelo convívio dos serões em
família, “em que se repousava a fadiga”. Retoma ditos e modos de falar de
antigamente, descreve as festas de Campo Maior, com as suas flores coloridas
que fazem lembrar um jardim, e enaltece a expressão de arte deste povo. «Chegam
floridas as festas, trazendo a cor, o bulício» e a vida a Campo Maior. Nas
ruas, cheira a flores e a café torrado, e soam as animadas saias que põem o
povo a cantar.
Nos seus
poemas homenageia-se também a força e valor do homem alentejano, o seu saber
empírico que contrasta com os conhecimentos das cátedras, conhecimento gravado
nas mãos de trabalho que semeiam e colhem o pão e tratam a terra dura.
Enaltece-se a coragem das ceifeiras nas suas difíceis condições de vida,
trabalhando sob um sol tórrido, escondendo a dor e o sofrimento numa cantiga, e
denuncia-se este triste fadário das gentes do Alentejo, em tempos que já lá vão,
porque hoje o tempo é de mudança, “hoje o fado é outro”, como nos diz a Rosa.
Apesar de
não ter tido tempo para estudar mais do que a escolaridade obrigatória quando
era menina, a poesia de Rosa Dias não se podia aprender, senão na vida. Nada do
que escreve se aprenderia numa cartilha, nem nos manuais de literatura. A sua
sensibilidade, o seu olhar apurado, a sua experiência de vida traduz-se em
vários apontamentos poéticos, insurgindo-se contra as injustiças, apregoando
valores de solidariedade e fraternidade, gritando as verdades que não consegue
calar.
A sua poesia
é assim também um modo de afirmação das suas crenças, do seu desejo de
liberdade, de expressar o que é, e o que sente, sem amarras, nem restrições. É
a voz de uma mulher que sabe o que quer e sabe agarrar as oportunidades, como
nos demonstra no seu poema «Eu quero»: “ Eu quero soltar este grito sufocado/
Molhar meu rosto com a lágrima da alegria/Dizer o verso pelo tempo aprisionado/
E gargalhar por enfim chegar o dia”.
Sem comentários:
Enviar um comentário