quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

HÁBITOS DE LEITURA

«Os livros não mudam o mundo. Os livros mudam as pessoas e as pessoas mudam o mundo»

Retirado de um powerpoint de Galeno Amorim, no Congresso Internacional de Promoção da Leitura, 2009


Depois de ter assistido à conferência de Fernando Savater, José Barata-Moura e Marçal Grilo, no Congresso Internacional de Promoção de Leitura, na Fundação Calouste Gulbenkian, e de ter apreciado bastante a forma elogiosa como falaram dos livros, da leitura e do modo como esta afectou a sua vida, apetece-me reflectir também um pouco sobre os meus hábitos de leitura e as origens dessa deliciosa descoberta.
Lembro-me que não começou na primeira infância, pelo menos não me recordo de receber muitos livros quando era muito pequenina, nem me recordo de sessões de contos de histórias, mas talvez sejam só defeitos da memória. Lembro-me sim, já na altura da Primária, dos livros da colecção da Anita, que um antigo amigo da família me dava regularmente, e do sentimento maravilhoso que era ler um novo livro. Estes livros foram de tal modo especiais para mim, não só pelas histórias simples, como pela recordação daquele velho amigo que mos dava, que hoje ainda os guardo religiosamente.
Foi no ensino preparatório, que tudo começou a mudar. Tive uma professora de português que revolucionou a minha formação (aliás como mais tarde também veio a acontecer no 7º e 10º/11º ano na mesma disciplina). Com aquele seu ar meio lunático, com roupas algo estranhas e gestos desmesurados, uma voz algo esganiçada e colérica, foi esta professora que cultivou em mim o gosto pelos livros, organizando a Biblioteca de Turma e a troca de livros entre os alunos, que deviam ter leitura integral. E depois vieram as sessões de leitura em voz alta, em que a professora narrava as aventuras sempre fascinantes das autoras Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada. Graças a essas histórias, comecei a gostar de histórias de detectives e policiais e sempre que a minha imaginação permitia lá andava eu na escola à cata de mistérios…Além disso começava a devorar os livros da célebre Enid Blynton, autora dos livros dos “Cinco” e das “Gémeas de Santa Clara”.
Foi nessa época também que percebi que gostava de poesia. A professora insistia em declamar-nos poetas clássicos portugueses e embora a sua declamação fosse um pouco exagerada, um pouco mesmo trágico-cómica, eu ficava fascinada com a força das palavras dos poetas. Já no 7º ano, com outra professora igualmente interessante e a quem muito devo por ter desenvolvido o meu gosto pela poesia e por ter estimulado a minha imaginação e criatividade, comecei a escrever, compondo narrativas fantasiosas e poemas, assim como a declamar nas aulas. Nesse ano, organizou-se um pequeno concurso de declamação na turma e participei com a interpretação dos poemas «Mãos» de Manuel Alegre, e o «Porque», de Sofia de Melo Breyner. Acabei por ganhar o 1º lugar entre os colegas de turma, embora sem prémio, com a declamação do poema de Alegre, aquele que é com toda a certeza o poema da minha vida, cheio de garra e de energia, de labuta e de vida, afinal «com mãos tudo se faz e se desfaz».
O gosto pela leitura tinha-me aberto o acesso a explorar um pouco daquilo que eu começava a ser, e no 10º e 11º ano eu já lia bastantes livros. Foi então que conheci a melhor professora de português que alguma vez tive. Nos primeiros meses detestei-a, não conseguia compreender o porquê das más notas que ela me dava, quando eu era tão boa aluna no 9ºano, nem o rigor da sua exigência. Mas foi um óptimo desafio, comecei o 10º ano com 8 valores e acabei o 11º ano, com 18 valores. Agarrei-me à literatura portuguesa afincadamente, lia os livros obrigatórios por prazer e não apenas pelo dever de fazerem parte do currículo. Devorei-os, é certo, era sempre a primeira da classe a ler as obras, e os meus intervalos eram passados de volta dos livros. Dos livros passei ao teatro e à descoberta da sua interpretação. A professora puxava por nós, instigávamo-nos a participarmos em teatralizações e a improvisações, para melhor percebermos o que líamos. De tal modo foi intensa essa experiência, que depois de interpretar a Ama do «Auto da Índia» de Gil Vicente, a Joaninha das “Viagens na Minha Terra” do Almeida Garrett, a Maria Eduarda, dos «Maias» de Eça de Queirós, ou a Ofélia, namorada de Fernando Pessoa, comecei a pensar seguir o teatro como vida profissional. Estava dividida entre o Teatro e a Sociologia (na altura ainda pensava que o que queria era a Sociologia e não a Antropologia, embora o destino se tenha encarregado de me colocar no lugar certo), mas acabei por desistir por ser uma ideia demasiado arrojada e por se tratar de um caminho penoso e incerto, como me disse na altura a actriz Susana Borges. Contradições do destino, ao seguir Antropologia o mesmo caminho incerto e penoso concretizou-se na mesma…
Para concluir, gostaria de salientar que a leitura cresceu assim na minha vida e tomou este rumo porque existiram professoras maravilhosas que tiveram o poder de despertar em mim esse gosto. Na altura, as bibliotecas não tinham ainda essa consciência e não desenvolviam projectos de promoção da leitura, pelo que era a escola que tinha esse papel. Por isso, acredito que os hábitos de leitura podem e devem começar também na escola e nesse aspecto, os professores, sobretudo os de português, têm uma importante responsabilidade: o de fazer nascer leitores e sobretudo fazê-los gostar de ler.

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