Nas minhas últimas leituras antropológicas inclui duas obras, que gostaria de partilhar convosco, porque considerei que ambas me levaram a conhecer um pouco melhor a realidade etnográfica de duas regiões do país: Montejunto e a região fronteiriça de Santana de Cambas, no concelho de Mértola, através dos relatos e testemunhos do contrabando. Estou a referir-me concretamente ao livro «Montejunto: Imaginários e Celebrações de uma Serra», de autoria de Paulo Ferreira da Costa, um antropólogo entusiasta pelas questões do património imaterial, que já desempenhou funções no Museu Nacional de Etnologia, encontrando-se presentemente a trabalhar no Instituto dos Museus e Conservação. O outro livro que me mereceu atenção foi o primeiro número dos «Cadernos do Museu do Contrabando», com artigos de Miguel Rego, Luís Filipe Maçarico, Maria Dulce Antunes Simões e Antonio Rodríguez Guillén.
Em relação ao livro do Paulo Costa, posso dizer que foi uma descoberta para mim, pois desconhecia este seu interesse etnográfico sobre a zona Oeste, e em concreto pela Serra de Montejunto. Posso dizer que o que me motivou à sua leitura foi o facto de há poucos anos começar a ir para a Serra de Montejunto acampar com amigos e de ter descoberto aí algumas grutas e um certo interesse por espeleologia, através da minha amiga Cláudia Alcaso. Neste sentido, foi com curiosidade que o li e descobri todo um universo do imaginário popular de lendas e tradições orais das gentes da serra de Montejunto, relacionadas com as personagens míticas das Mouras Encantadas, Lobisomens e bruxas, bem como fiquei a conhecer as principais festividades e celebrações , entre as quais se encontram os cantos de inverno e as romagens de Verão associadas a cultos religiosos.
Quanto aos «Cadernos do Museu do Contrabando», considero que se trata de uma meritória iniciativa deste tão recente museu, mantendo viva a memória de tempos marcados pela miséria e pela necessidade de recorrer a essa forma de economia paralela, por vezes a única fonte de sustento de muitas famílias, como era o contrabando. Revela, nesta perspectiva, aspectos sintéticos de pesquisas desenvolvidas por cientistas sociais que analisaram historica e antropologicamente esta realidade vivida pelas gentes raianas durante o Estado Novo, embora apresentem enfoques diferentes. Neste sentido, Miguel Rego apresenta um artigo sobre o papel da polícia privada da Mina de S. Domingos no combate ao contrabando, enquanto Luís Filipe Maçarico, baseando-se na recolha de depoimentos que deram origem ao livro «Memórias do Contrabando em Santana de Cambas», reproduz os discursos dos seus principais intervenientes na primeira pessoa do singular. Nestas histórias de vida recolhidas pelo antropólogo revivem-se os percursos, os itinerários, os caminhos da angústia e do medo. Maria Dulce Antunes Simões dá primazia ao caso do contrabando em Barrancos, realçando o modo como este também beneficiou as classes sociais mais abastadas. Por último, gostaria de referir o artigo de autoria de Antonio Rodríguez Guillén, no qual deu enfoque ao contrabando do outro lado da fronteira, na Serra de Aroche, referindo os preparativos dos grupos de contrabandistas, os canais de distribuição e armazenamento, os guarda civis, as prisões e os interrogatórios, entre outros aspectos relacionados com o contrabando.
São duas sugestões de leitura que aqui deixo ficar para quem se interessa por estas temáticas etnográficas, que embora bastante díspares, nos ajudam a conhecer um bocadinho deste Portugal, que não é feito só de Lisboa, de paisagem urbana e de centros comerciais...
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