Port Moresby (John Malkovich) Em Um chá no Deserto de Bernardo Bertolicci
Mais um dia a despertar cedo. Seis e meia da manhã e já a tomar o pequeno-almoço. Adivinhava-se outro dia interessante, cheio de coisas para ver e para fazer. O ponto alto da jornada teve lugar logo assim que abandonamos o hotel. Logo ali em Douz, nas portas do deserto do Sahara fomos andar de dromedário. Era a primeira vez que andava de “camelo”, a única experiência que tinha com este animal restringia-se ao Zoo, e tinha um certo receio de montá-lo. Surpreendentemente, foi uma agradável caminhada, o dromedário era tranquilo e manso e acompanhou sempre o ritmo dos restantes. A manhã estava amena, com uma luz muito branca, que se reflectia na areia fina. Aqui e ali viam-se palmeiras, existindo um enorme contraste de cor entre a areia branca amarelada e a cor viva das árvores.
Mais uma vez, soube-me a pouco o tempo que ali estivemos. Não nos afastamos muito do ponto de partida, ouvindo ainda o ruído dos automóveis que passavam na auto-estrada, a poucos quilómetros de onde nos encontrávamos. Tive pena de não ter podido tirar mais partido da experiência, pois não nos evadimos o suficiente, nem ouvimos o silêncio que eu queria ouvir e sentir. Diz quem entrou nos meandros do deserto, que ele é mágico, um lugar incorruptível e de oração, quase divino e eu acredito nisso, porque eu ali afastada do meu mundo, senti-me serena e dona de uma outra realidade, próxima da cinematográfica. Ás vezes sabe bem sentirmo-nos dentro de um filme de viagens e aventuras…
Passado uma hora sensivelmente o passeio acabou. Em muito pouco tempo, a experiência virou memória… Nunca se sabe se um dia voltarei à Tunísia só para repetir e intensificar estas emoções vividas a sul!
De seguida, começamos o nosso regresso para o norte, pois o circuito terminaria no dia seguinte. Dirigimo-nos para Matmata. Esta região caracterizada pelas suas casas escavadas na rocha, inspirou também George Lucas, tendo sido usadas como cenário na «Guerra das Estrelas». Estas rudimentares habitações, são singelas, despojadas de grandes ornamentos, sem grandes riquezas, dispondo apenas do que é meramente essencial. Os circuitos turísticos costumam ter acordos com os donos destas habitações pelo que é a forma mais prática de conhecer o seu interior.
A senhora que nos recebeu na sua casa era de poucas palavras. Trazia no rosto cansaço e possivelmente o enfado dessa tarefa tantas vezes repetida e encenada de mostrar a sua casa aos turistas. Começou por simular a moagem do cereal, mais para a fotografia do que para outra coisa e depois entrou no interior da casa oferecendo aos presentes pão, que devíamos molhar em azeite, e chá de menta.
Apesar de ter gostado de conhecer estas casas por dentro, ao princípio confesso estar a sentir-me incomodada pois parecia-me estar a devassar a privacidade do lar desta mulher. No fim, percebi que aquilo era uma forma acrescida de sobrevivência e senti-me menos intrusa.
O passeio continuou com algumas paragens pontuais, almoçando num hotel em Gabes. A partir daí, o circuito começou a tornar-se mais cansativo, com menos paragens e distâncias maiores a percorrer e talvez por isso menos interessante. Eu continuava a aproveitar para dormir, até porque a minha tensão não andava muito alta e de vez em quando lá tinha uma quebra.
O destino mais interessante da tarde foi a visita a El Jem. Aqui se encontra um magnífico anfiteatro com um perímetro de aproximadamente 427 metros, em tudo semelhante ao Coliseu de Roma, mas mais pequeno. Em tempos, foi o maior da província romana de África, tendo capacidade para 27.000 espectadores. Encontra-se num razoável estado de conservação, possuindo ainda a sua cor original. Quem entra aqui lembra-se imediatamente do filme «Gladiadores», dado que as galerias subterrâneas onde os gladiadores eram colocados, ainda estão em excelente estado. Nestes anfiteatros realizavam-se, entre outros espectáculos, lutas entre cristãos e animais selvagens, um autêntico derramamento de sangue!
Depois de descer a subterrâneos e subir as elevadas escadarias do anfiteatro, sentia-me a destilar. O calor era agora mais húmido, fazendo com que a roupa se colasse ao corpo. Aproveitei então para me sentar um pouco num pequeno banco de pedra, virado para o lado exterior do mesmo, onde pude observar o ritmo de vida de El Jem e respirar um pouco o seu quotidiano. Ao longe ouvia-se música árabe, pessoas e carros circulavam de um lado para outro, e nas imediações uma série de lojas de souvenirs, antiguidades mostrando portas de madeira pintadas, marionetas típicas da Tunísia e uma parafernália de objectos. Enquanto os minutos iam contando para o fim da estadia neste local e a romagem para o autocarro, ali fiquei de olhos fitos naquele povo, sem vontade de me mexer.
No fim do dia chegamos a Madhia, local onde iríamos pernoitar. Aí, depois do jantar decidimos seguir o nosso guia tunisino louco e ir até um café, juntamente com alguns espanhóis. Era sexta-feira à noite e apesar de estar cansada apetecia-me perceber como as pessoas se divertiam ali. Mas, a experiência podia não ter acabado assim tão bem…
O nosso guia começou a levar-nos por ruas e ruelas, sem muita iluminação, o que dificultava a perspectiva do caminho, ouvindo-se a voz forte e sonante da chamada para a oração (a última das cinco diárias). O caminho para o tal café junto à praia tornava-se cada vez mais longínquo. Porém, como éramos muitos acabamos por não ter lugar e tivemos de continuar a seguir o guia em busca de um outro. Acabámos por ficar numa esplanada, numa pequena praça iluminada, onde se viam além de homens, algumas raparigas (coisa muito rara de ver!).
Neste café, tive a oportunidade de beber um óptimo chá de pinhões e de finalmente experimentar a «chixa», o famoso cachimbo de água, mas não me tornei muito fã. A noite aliás depressa se tornou enfadonha, pois os espanhóis só falavam com o guia e entre eles, e ninguém falava com as portuguesas, para variar um pouco. Às tantas, pensei o que estava ali a fazer, era como se fosse invisível. Queria vir-me embora, mas era impossível, não sabia voltar para o hotel e ainda por cima começava a ficar tarde. A situação piorou quando o guia começou a propor uma discoteca… Eu a cair de cansaço e o fulano completamente cheio de pica… como era possível? Quando dois casais decidiram vir embora eu dei graças, pois só assim poderia voltar. A verdade é que estava bastante longe do hotel. E ainda mesmo que acompanhada, confesso que tive algum receio, pois praticamente não se via ninguém nas ruas, circulando algumas motas e carros a altas velocidades. As ruas eram escuras e cheias de sujidade (contrariamente às estâncias de luxo) e os homens que passavam metiam-se com as mulheres… Este foi um outro lado da Tunísia, que confesso não me agradou, talvez mais levada pelo medo do que pela realidade em si. Assim que cheguei ao hotel respirei fundo e senti-me aliviada… que linda embrulhada aquele guia nos poderia ter envolvido se tivéssemos que regressar pelo nosso pé, sozinhas, àquela hora da noite.
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