Seguimos em direcção a Port El Kantaoui, onde sairiam alguns colegas de viagem. Porém, quis o guia e muito acertadamente, que parássemos numa pequena localidade costeira, situada junto ao mar, que por não ser um local turístico muito nos surpreendeu. Ali sobressaía a cor branca das casas e o azul celeste de portas e janelas. Mal descemos do autocarro percebemos que ali finalmente não se falava espanhol, e os locais não compreendiam o que os nossos camaradas espanhóis diziam, deixando-os com uma frustração muito semelhante àquela que eles nos causaram durante todo o circuito. Não conseguindo comunicar com os locais afastaram-se, enquanto que nós tirávamos a desforra e falávamos com uma das mulheres que estava numa loja no largo onde parámos. A música e o cântico de mulheres ouvia-se muito alto e a curiosidade fez com que me aproximasse da porta de onde essa musicalidade exalava, porém não me queria intrometer, até que a mulher da loja disse para entrarmos nessa casa, de porta escancarada, onde algumas mulheres e crianças cantavam, dançavam e agitavam as línguas num ritmo frenético que produzia som.
Ao entrar naquela casa, recordei as páginas de um livro que li há uns anos atrás, de uma antropóloga que foi minha professora, a Maria Cardeira da Silva, que fez trabalho etnográfico com mulheres em Marrocos. Eu estava encantada. Dançava com aquelas mulheres que não conhecia de parte nenhuma, sentia a energia delas evadir-me o corpo, havendo uma delas que cantava olhando para mim e me esfregava a barriga com as mãos. Sentia-me num ritual. No entanto, aquela festividade não era mais do que um recital dedicado a uma das filhas que tinha passado de ano com bons resultados. Além da música e da dança, ofereceram-nos um sumo gelado e eu deslumbrada com aquele bocadinho de céu que estava a ter (enquanto os palermas dos espanhóis ficavam no largo sem rumo) deixei escapar das mãos o copo do sumo. Por instantes, fiquei perplexa com a reacção delas, temendo que vissem naquele facto algum sinal, algum presságio. Mas, nada elas continuaram a celebrar e a cantar, dizendo que não havia problema nenhum. As crianças assim descobriram que tínhamos câmaras começaram a pedir-nos que tirássemos fotografias delas, numa sucessão contínua de poses. Quando mal demos por isso, elas tentaram começar a vender-nos produtos da terra de uma fibra vegetal que não sei o nome, com formatos de peixe. E nós por educação compramos, até porque elas nos tinham recebido no recato do seu lar e nos tinham proporcionado instantes memoráveis.
Regressamos ao autocarro triunfantes, afinal em poucos minutos tínhamos visto e sentido algo espectacular.
Rumamos em direcção ao fim do circuito. Já não tinha mais paciência para a carneirada!
De tarde, já em Yasmine Hammamet no hotel, onde devíamos ter ficado assim que chegamos de Portugal, decidimos ir ao centro de Hammamet, a 9 kms dali. Gostávamos de conhecer a Medina local, situada a beira-mar e um pouco do seu ambiente. Optámos por ir de autocarro público, permitindo-nos conhecer melhor a vida quotidiana dos tunisinos e poupar quase 7 € em táxi. Se tívessemos ido na conversa dos espanhóis e dos guias era isso certamente que teríamos feito.
Já em Hammamet, começou todo o ritual da Medina novamente, o regateio, a conversa, a teatralidade… Nesse dia, eu estava já particularmente cansada e todo aquele ambiente estava já a rebentar comigo, sempre a equacionar o quanto queria gastar, o que tinha em dinars… Tive de ir apanhar ar, e foi então que descobri uma lojinha de artesanato encantadora e um tunisino de meia-idade muito simpático e conversador. Ali os produtos eram de muita qualidade, e o senhor deixou-nos completamente à vontade. Estivemos a conversar com ele mais de meia hora. Era uma mente iluminada, sábia, com um conhecimento sobre a vida incrível. Não fosse eu começar a ter uma quebra de tensão, a conversa poderia ter-se arrastado durante horas. Ali como já referi, não há pressas.
A seguir refugiei-me numa esplanada perto da praia a tomar chá de amêndoas e a recuperar as forças. Estava a viver aquilo com demasiada intensidade e isso associado a algum calor estaria a fazer-me quebrar.
Seguidamente, fui até à praia pública, onde pude partilhar o mesmo espaço com os tunisinos, o que me era completamente impedido no hotel. A verdade, é que aquela foi uma das melhores praias que visitei, onde me senti completamente à vontade, junto de mulheres que tomavam banho vestidas e se refrescavam à beira mar.
O regresso a Yasmine Hammamet foi mais atribulado, porque esperámos pelo autocarro quase uma hora na paragem. Quando ele chegou completamente atolado, quis entrar pela frente, mas a entrada fazia-se pela retaguarda, obrigando-me a correr para a outra porta. Lá dentro, aquilo foi uma autêntica aventura, até chegar à porta da frente. Mas seja como for, valeu a pena. Como iríamos saber o que é andar de transportes públicos, se só tivéssemos andado no autocarro da excursão? Foi uma experiência interessante, sim senhor!
3 comentários:
Ana
Os meus parabéns pela inteligência e sensibilidade, tão bem espelhadas neste belo texto.
As palavras podem falar do júbilo que sinto por encontrar uma alma gémea das minhas andanças por essas paragens mágicas...mas é sempre tão pouco o que dizemos perante a força da realidade.
Obrigado pela partilha, Amiga!
Luís
Ana, ao ler o seu testemunho senti-me a voltar a essas parragens tunisinas..também fiz o circuito que descreve..também me senti noutra realidade, noutro mundo, também me senti à parte dos colegas espanhois com que partinhei a viagem, mas adorei tudo..as pessoas..as cores..e o cheiro, aquele cheiro...foi a minha viagem de finalistas..a viagem da minha vida..
Obrigada por estas lembranças..estas memórias que por vezes o stress da vida nos faz esquecer...
Anna
Ana, ao ler o seu testemunho senti-me a voltar a essas parragens tunisinas..também fiz o circuito que descreve..também me senti noutra realidade, noutro mundo, também me senti à parte dos colegas espanhois com que partinhei a viagem, mas adorei tudo..as pessoas..as cores..e o cheiro, aquele cheiro...foi a minha viagem de finalistas..a viagem da minha vida..
Obrigada por estas lembranças..estas memórias que por vezes o stress da vida nos faz esquecer...
Anna
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