Após o 25 de Abril, a nova ideologia de Esquerda dedicou-se também ao estudo do povo e à divulgação e preservação das suas tradições. O povo transformou-se numa entidade mítica, redentora, ao qual se devia levar a cultura, os conhecimentos por ele produzido.
“ Temos obrigação [ afirmou José Mário Branco] de ir às raízes culturais do povo português, pegar nelas, trabalhá-las muito e devolvê-las ao povo com os seus conteúdos avançados para a frente e inovando aquilo aquilo que tivermos de inovar em função dos interesses da luta. A questão é esta: nós não temos que nos inssurgir contra o vira; temos de nos insurgir contra o populismo que, para mim, é pegar nas formas adulteradas da arte popular e devolvê-las ao povo(...) Nestes casos, o que é que estamos a dar ao povo? Estamos a dar ao povo abortos que a burguesia fez com a cultura, em vez de se estar a dar aquilo que lhe pertence e que lhe tiraram.”
Podemos constatar, que esta ideologia muito diferente da do Estado Novo se aproximava em alguns pontos do discurso da construção da Nação de Salazar, na medida em que o povo continuava a ser alvo de um ensinamento, sendo esse conhecimento transmitido pelas elites culturais - pela burguesia no estado Novo, e pelas elites intelectuais de Esquerda, no pós 25 de Abril. Uma espécie de ideal romantizado do “bom selvagem” continuava a reflectir-se no “povo”, o qual permanecia em estado puro e atrasado.
Neste contexto, Michel Giacometti apelou para o nascimento de uma cultura nacional e para o estabelecimento de condições que favorecessem esse desenvolvimento. Para isso seria necessário, segundo as suas palavras, que deixasse de “subsistir a subalternização social e cultural de vastas camadas da nossa população” , existindo um sentimento identitário mais forte que conferisse ao folclore uma expressão nacional, e não um “refúgio da criatividade popular”.
O povo é assim o ponto de referência de cantores e músicos, ditos de intervenção, como é o caso de José Freitas Branco, José Afonso, Vitorino, José Barata Moura, José Carlos Ary dos santos, entre muitos outros.
José Afonso, afirmou que preferia “cantar canções de folclore a partir de uma recolha tão conscienciosa e documentada quanto possível, e só esporadicamente tentaria musicar um ou outro poeta...”
O desejo desta elite de esquerda é deste modo, recolher as bases da cultura popular e devolvê-la ao povo, de forma a que este dê valor ao que lhe pertence e com este desejo partem pelo país em busca de um povo etnográfico, de uma realidade idealizada.
Foram várias as iniciativas que se efectuam neste período revolucionário, de recolha e divulgação da cultura popular, principalmente no campo musical. Uma das iniciativas foi a do ALMANAQUE- Grupo de Recolha e Divulgação da Música Popular da Juventude Musical Portuguesa, surgido em 1975, aquando da cisão do antigo Coro da Juventude Musical Portuguesa, que teve como finalidade divulgar “ a verdadeira música popular portuguesa”, através de recolhas directas no campo. Segundo depoimentos registados na época o seu objectivo era acabar com “ a prostituição da música popular”, denunciar as adulterações, divulgar o verdadeiro folclore “em prol da cultura popular”.
A cultura popular torna-se assim, o leitmotiv de uma militância cultural, e a expressão pura da “portugalidade”.
Para além do grupo Almanaque, outros grupos surgem com os mesmos objectivos. É neste contexto que surge o P.T.C (PLANO TRABALHO E CULTURA), coordenado por Michel Giacometti, no âmbito do Serviço Cívico Estudantil, cuja finalidade era construir um Museu do Trabalho, onde o povo tivesse um papel de destaque, e pudesse ser representado, tal como ele era, testemunhando a vida e a luta do povo.
No Verão de 1975 reuniram-se 124 jovens estudantes pré-universitários, com o objectivo de uma recolha nacional de tradições populares, incluindo objectos de cultura material, cantos e danças, instrumentos musicais, literatura oral, medicina popular, bem como campanhas de educação sanitária, programas de animação sócio-cultural entre outros. Ao todo foram formadas 32 brigadas, nas quais os jovens, agrupados em equipas de quatro elementos, permaneciam cerca de 3 semanas em cada lugar previsto.
Tratou-se da maior “ Missão Etnográfica” alguma vez realizada em Portugal, na qual os jovens na presença das massas populares “in loco” tomaram contacto directo com o povo e com a cultura rural, através do canto ou colaborando nos trabalhos agrícolas. Partiam com uma ideia de povo que nem sempre encontravam, debatendo-se com muitas dificuldades no terreno, nomeadamente as logísticas, não sendo muitas vezes fácil a sua actuação. Uma das vozes anónimas presentes nesta acção definiu a sua experiência do seguinte modo:
“ O SCE não interessa a ninguém, quer dizer, poderá interessar, relativamente ao meu caso, e eu acho que sim, a uma valorização pessoal que eu acho mesmo que se tem, porque eu, por exemplo é a primeira vez que estou numa aldeia sem luz, sem água canalizada, sem instalações sanitárias, sem nada daquilo que temos em casa, portanto, penso(...) que só nesse ponto, valorização pessoal, é que se poderá ter algum proveito, mas não para as populações em que estamos, para nós próprios, só assim, mais nada.”
Deste encontro com o povo, surgiu o acervo etnográfico que deu origem à colecção do Museu do trabalho, com cerca de 1200 peças, que viria a ser inaugurado em Setúbal. Este museu veio segundo as palavras de Giacometti, preencher uma lacuna deixada pela política museográfica do Estado Novo e surgiu como uma crítica cultural.
Giacometti, é deste modo, um nome que não pode ser dissociado deste período conturbado e agitado que Portugal viveu, reflectindo sobre a nossa cultura de uma forma apaixonada, começando como um colector solitário e transformando-se num colector colectivo com uma militância cultural importante e destacada .Com a sua pesquisa pôs em causa toda uma herança salazarista e renovou o universo camponês. Juntamente com Lopes Graça, e outros intervenientes, proporcionou uma leitura mais reivindicativa do Povo Português.
“ Temos obrigação [ afirmou José Mário Branco] de ir às raízes culturais do povo português, pegar nelas, trabalhá-las muito e devolvê-las ao povo com os seus conteúdos avançados para a frente e inovando aquilo aquilo que tivermos de inovar em função dos interesses da luta. A questão é esta: nós não temos que nos inssurgir contra o vira; temos de nos insurgir contra o populismo que, para mim, é pegar nas formas adulteradas da arte popular e devolvê-las ao povo(...) Nestes casos, o que é que estamos a dar ao povo? Estamos a dar ao povo abortos que a burguesia fez com a cultura, em vez de se estar a dar aquilo que lhe pertence e que lhe tiraram.”
Podemos constatar, que esta ideologia muito diferente da do Estado Novo se aproximava em alguns pontos do discurso da construção da Nação de Salazar, na medida em que o povo continuava a ser alvo de um ensinamento, sendo esse conhecimento transmitido pelas elites culturais - pela burguesia no estado Novo, e pelas elites intelectuais de Esquerda, no pós 25 de Abril. Uma espécie de ideal romantizado do “bom selvagem” continuava a reflectir-se no “povo”, o qual permanecia em estado puro e atrasado.
Neste contexto, Michel Giacometti apelou para o nascimento de uma cultura nacional e para o estabelecimento de condições que favorecessem esse desenvolvimento. Para isso seria necessário, segundo as suas palavras, que deixasse de “subsistir a subalternização social e cultural de vastas camadas da nossa população” , existindo um sentimento identitário mais forte que conferisse ao folclore uma expressão nacional, e não um “refúgio da criatividade popular”.
O povo é assim o ponto de referência de cantores e músicos, ditos de intervenção, como é o caso de José Freitas Branco, José Afonso, Vitorino, José Barata Moura, José Carlos Ary dos santos, entre muitos outros.
José Afonso, afirmou que preferia “cantar canções de folclore a partir de uma recolha tão conscienciosa e documentada quanto possível, e só esporadicamente tentaria musicar um ou outro poeta...”
O desejo desta elite de esquerda é deste modo, recolher as bases da cultura popular e devolvê-la ao povo, de forma a que este dê valor ao que lhe pertence e com este desejo partem pelo país em busca de um povo etnográfico, de uma realidade idealizada.
Foram várias as iniciativas que se efectuam neste período revolucionário, de recolha e divulgação da cultura popular, principalmente no campo musical. Uma das iniciativas foi a do ALMANAQUE- Grupo de Recolha e Divulgação da Música Popular da Juventude Musical Portuguesa, surgido em 1975, aquando da cisão do antigo Coro da Juventude Musical Portuguesa, que teve como finalidade divulgar “ a verdadeira música popular portuguesa”, através de recolhas directas no campo. Segundo depoimentos registados na época o seu objectivo era acabar com “ a prostituição da música popular”, denunciar as adulterações, divulgar o verdadeiro folclore “em prol da cultura popular”.
A cultura popular torna-se assim, o leitmotiv de uma militância cultural, e a expressão pura da “portugalidade”.
Para além do grupo Almanaque, outros grupos surgem com os mesmos objectivos. É neste contexto que surge o P.T.C (PLANO TRABALHO E CULTURA), coordenado por Michel Giacometti, no âmbito do Serviço Cívico Estudantil, cuja finalidade era construir um Museu do Trabalho, onde o povo tivesse um papel de destaque, e pudesse ser representado, tal como ele era, testemunhando a vida e a luta do povo.
No Verão de 1975 reuniram-se 124 jovens estudantes pré-universitários, com o objectivo de uma recolha nacional de tradições populares, incluindo objectos de cultura material, cantos e danças, instrumentos musicais, literatura oral, medicina popular, bem como campanhas de educação sanitária, programas de animação sócio-cultural entre outros. Ao todo foram formadas 32 brigadas, nas quais os jovens, agrupados em equipas de quatro elementos, permaneciam cerca de 3 semanas em cada lugar previsto.
Tratou-se da maior “ Missão Etnográfica” alguma vez realizada em Portugal, na qual os jovens na presença das massas populares “in loco” tomaram contacto directo com o povo e com a cultura rural, através do canto ou colaborando nos trabalhos agrícolas. Partiam com uma ideia de povo que nem sempre encontravam, debatendo-se com muitas dificuldades no terreno, nomeadamente as logísticas, não sendo muitas vezes fácil a sua actuação. Uma das vozes anónimas presentes nesta acção definiu a sua experiência do seguinte modo:
“ O SCE não interessa a ninguém, quer dizer, poderá interessar, relativamente ao meu caso, e eu acho que sim, a uma valorização pessoal que eu acho mesmo que se tem, porque eu, por exemplo é a primeira vez que estou numa aldeia sem luz, sem água canalizada, sem instalações sanitárias, sem nada daquilo que temos em casa, portanto, penso(...) que só nesse ponto, valorização pessoal, é que se poderá ter algum proveito, mas não para as populações em que estamos, para nós próprios, só assim, mais nada.”
Deste encontro com o povo, surgiu o acervo etnográfico que deu origem à colecção do Museu do trabalho, com cerca de 1200 peças, que viria a ser inaugurado em Setúbal. Este museu veio segundo as palavras de Giacometti, preencher uma lacuna deixada pela política museográfica do Estado Novo e surgiu como uma crítica cultural.
Giacometti, é deste modo, um nome que não pode ser dissociado deste período conturbado e agitado que Portugal viveu, reflectindo sobre a nossa cultura de uma forma apaixonada, começando como um colector solitário e transformando-se num colector colectivo com uma militância cultural importante e destacada .Com a sua pesquisa pôs em causa toda uma herança salazarista e renovou o universo camponês. Juntamente com Lopes Graça, e outros intervenientes, proporcionou uma leitura mais reivindicativa do Povo Português.
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