Trata-se de um acontecimento anual deveras importante que reúne gente das letras, dos livros e contadores de histórias. Aí o tempo é vivido com intensidade, numa espécie de limbo, onde a realidade não impera e não dita regras. Predomina a fantasia, o universo onírico dos contos, do sonho, da imaginação, onde o mundo das crianças e o dos adultos não conhece fronteiras, nem limites.
Depois de três dias nessa esfera ainda trago comigo muitas palavras, tantas que parecem ecoar na minha cabeça, a um ritmo veloz.
Falou-se muito na importância da promoção da leitura, num tempo em que esta parece ainda estar em crise, sobretudo entre os jovens e os adultos e na necessidade de transmitir esse gosto desde a mais tenra idade.
A comunicação de Daniel Pennac, autor da obra «Como um romance», foi nesse sentido muito eloquente, transmitindo-nos a sua experiência de docente e de educador da leitura. Outras comunicações igualmente brilhantes foram as de Ana Garcia Castellano, maderilena, e de José Luís Polanco, de Santander, entre outros. Deixo aqui o contributo destes dois nomes por terem sido as que mais apreciei.
«Como me contam os contos» - Comunicação de Ana Garcia Castellano
Ana Garcia Castellano é uma exímia contadora de histórias e além de contar, ela falou-nos da importância dos contos na sua vida, afirmando que estes ajudam-na a viver, contam-lhe a própria vida, explicam-na, recriam-na, fazem dela distintas pessoas, salvam-lhe a vida. Diz que os contos têm tal poder na boca, nos olhos de uma pessoa, que a ajudam a manter-se viva. Segundo Ana, quando ela conta sente-se livre e feliz, os contos ensinam-lhe a conhecer o sentido das coisas, pois como ela própria diz, «depois do bosque há sempre uma casa iluminada!».
Continuando, Ana Garcia Castellano defendeu que os contos são uma linguagem secreta, uma velha mentira linda, que só eles podem conter. Porém, os contos também dizem coisas que nem sempre queremos escutar, por isso nem sempre a deixam tranquila, enquanto contadora, fazem-na pensar no mundo, utilizam-na para serem contados. Por esse motivo, remata a comunicação dizendo que os contos necessitam dela tanto como ela precisa deles. Ela é o elo intermediário, diz o que eles lhe contaram; desvela-os, revela-os, descodifica-os. Os contos levam dela toda a energia negativa, são por isso uma espécie de alquimia mágica, misteriosa, como uma força catártica que expulsa todos os seus maus pensamentos.
«O Rumor da Leitura» ideias gerais da comunicação de José Luís Polanco
Neste sentido, José Luís Polanco atribui muita importância ao promotor da leitura, devendo ter características sedutoras, ensinar a escutar, a dar novos desejos às almas rudes. A arte da leitura não faz mais do que enriquecer cada um de nós, procurando que cada um seja o que é. É pois um caminho difícil de adivinhar, feito de aproximações e distâncias, onde são os viajantes que o devem alcançar, os mediadores apenas devem dar pistas.
«Deixemos que os livros falem, os professores não têm de estar sempre a mostrar o que sabem. Os livros exigem assim uma lenta degustação, um deleite. Estimulam a fantasia, a reflexão e também o pensamento. São um espaço de conversação com outras vozes, diálogos com outras partes de nós mesmos que desconhecíamos.» Para isso basta tempo e silêncio!
Um dos momentos altos deste encontro foi o «Cante dos Contos». Organizados pelas iniciais dos seus nomes, os participantes organizaram-se em grupos de quatro e em densas filas caminharam pela cidade de Beja, até à Praça da República, onde estava sitauada a Feira do Livro, entoando uma ladainha, da qual aqui cito apenas o refrão. Foi uma experiência engraçada, divertida e original. Uma forma diferente de manifestação… pela leitura, pelo poder da palavra escrita!
«Na cidade de Beja há uma rua
Na Rua há uma casa
Na casa há uma escada
No cimo dela uma porta
Essa porta dá para um largo
Um largo cheio de estantes
Nas estantes um mar de livros
Nos livros um mar de linhas
Nas linhas um mar de vozes
Que contam (…)».
O consultório de Contos...
Na Praça da República, onde decorria a Feira do Livro, numa farmácia antiga já desactivada, improvisou-se um consultório onde as receitas para as maleitas eram contos... Na sala de espera amontoava-se gente, havia uma assistente que importunava os pacientes, dizendo que estava com tensão pré-mestrual, gritava por um chocolate... era a loucura total! Se não fosse isto uma improvisação teatral, mal de nós! Mas ali, podíamos rirmo-nos de tudo aquilo, pois era tudo faz de conta, como na infância. No fim, um médico ouvia pacientemente os nossos males e contava-nos o conto que ele achasse apropriado para o nosso mal. Imaginação não faltava por estes lados!
http://contabandistas.no.sapo.pt/
As noites...
As noites foram repletas de contadores de histórias. No primeiro dia, houve estafeta de contos, aberta a quem se tivesse inscrito previamente. Cada um dos participantes tinha apenas 3 minutos para mostrar o que valia. Entre nervos e valentias, as histórias sucederam-se a um bom ritmo, muitas porém não tiveram fim, pois quem ultrapassava os 3 minutos era simplesmente expulso do palco. Houve histórias de monstros debaixo da cama, de girinos e lagartas, a história do Alberto (que afinal ninguém sabia quem era), a do país onde todos eram ladrões, a do crioulo da cachupa, entre muitas outras e outras….
As noites restantes foram reservadas a contadores profissionais, que nos ofereceram momentos inesquecíveis, com protagonistas sobretudo espanhóis, tais como o «Colectivo Fábula», Maria Molina, Ângelo Torres (Portugal), Carolina Rueda (Colômbia), Ana García Castellano, entre muitos outros.
A quem estiver interessado, há mais para o ano…!
Mais informações:
http://www.cm-beja.pt/
1 comentário:
Olá e Bom dia Ana,
Pelo que li, deviam ter sido dias hiper agitados e muito divertidos. Obrigada pela partilha. Adorei :-)
Boa semana de trabalho !!!
Beijos
Sandra
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