sexta-feira, 7 de maio de 2010

3º e 4º dia – A ida ao deserto

No terceiro dia de viagem levantámo-nos muito cedo. Tivemos de ir até à Place 16 Novembre apanhar o mini-bus que nos levaria na excursão a Zagora, e à nossa noite no deserto. Tínhamos decidido a excursão previamente em Portugal, por intermédio do Riad que nos tinha sugerido algumas excursões incluindo esta.
Nesse dia, conhecemos outras pessoas, que tal como nós ambicionavam pela aventura do deserto. Encontravam-se entre elas três brasileiros, dois franceses, nós os cinco aventureiros, e uma mãe e um filho americanos, verdadeiros personagens de sitcom, os quais nos inspiraram durante a restante viagem em Marrocos, pelo absurdo de algumas das suas reacções, mas adiante…
Ao longo do percurso, sempre que havia paisagens dignas de uma fotografia, lá fazíamos uma paragem para admirar as vistas. Mas, a primeira paragem foi para conhecer a ksar de Aït Benhaddou, na margem esquerda do Wadi Mellah, a sul de Marraquexe.


Pelo seu ar imponente e exótico, tive a sensação de estar a viver um filme, do estilo de «Um chá no Deserto» de Bertolluci. Para chegar à ksar tivemos de passar o rio Wadi, o qual mesmo baixo, como corria, ainda nos obrigou a descalçar e a sujar os pés de lama barrenta. Depois da primeira prova superada e de apreciar a paisagem, tivemos de subir a pé até ao topo da aldeia, junto ao antigo celeiro comunitário. A aldeia apresenta um conjunto de kasbahs, de pise ocre, com uma estrutura arquitectónica assente em barro, palha, e excremento de animal. Estas residências desempenharam por muito tempo o papel dos castelos fortificados, sendo lugares de refúgio para pessoas e animais.


Cada recanto daquela aldeia, que parecia perdida no tempo, parecia uma fotografia de uma enciclopédia de Antropologia, recordava-me povos como os «Dogon» e outros que estudara na minha licenciatura.
Depois de uma subida bem íngreme e acentuada, chegámos ao topo, e aí a paisagem era de facto inóspita e avassaladora, era fácil perceber que éramos nós que estávamos fora de contexto naquele lugar, ali onde o tempo parece ter permanecido imutável, correndo vagaroso, como o pequeno curso de água do Wadi.


De caminho para Zagora, a paisagem ia mudando, vendo-se montanhas, oásis cobertos de palmeiral, superfícies áridas e agrestes, desfiladeiros e relevos que pareciam autênticos cortes topográficos.


À medida que avançávamos para sul, a viagem foi-se tornando mais cansativa. Zagora era bem mais longe do que pensara, e o facto de estar muito calor e de passarmos muitas horas seguidas no mini-bus, também não ajudava. Porém, tudo quanto víamos pelo caminho serviu para acrescentar conteúdo à viagem, tendo-me impressionado bastante, o cortejo de bicicletas de jovens estudantes saídos às 18h00 da escola, nas imediações de Zagora, que rumavam em bando para Zagora, desde pequeninos a graúdos, e o percurso era bem longo até à cidade. Tal visão fez-me pensar que aquele povo desde pequeno aprende a «desenrascar-se», não dependendo de terceiros para fazer a sua vida.


O ponto alto do dia coincidiu com o momento em que fomos andar de camelo, depois de chegarmos a Zagora. Mas, nunca tinha pensado que o percurso começasse na estrada, achava que iríamos andar só nas dunas, como fizera antes na Tunísia, mas pelos vistos enganei-me. O percurso até ao acampamento foi longo, cerca de uma hora e meia, e confesso um pouco doloroso. Mas valeu pela experiência e por ver o crepúsculo e o anoitecer a caminho do acampamento em Erg Chegaga. A partir de determinada altura, só tínhamos o luar a iluminar-nos e o cansaço fazia-nos imaginar que em cada foco de luz que vislumbrávamos pudesse ser o acampamento. No céu, as estrelas brilhavam, e nós naquela caravana, com um calor que ainda nos colava no corpo, ansiávamos por encontrar um porto seguro. Um dos nossos colegas de viagem, um dos mais martirizados pelo camelo, estava mesmo em desespero de causa, pois o desconforto era já maior do que a aventura.
Foi então que chegámos ao acampamento. Este possuía uma estrutura circular, com várias tendas em redor todas iguais, e ao centro uma maior, que nos serviria de refeitório/restaurante. Quando chegámos o cansaço do dia inteiro era visível em cada um de nós. Só queríamos era comer e refrescar-nos. A americana que seguia connosco e que trabalhava com crianças no Haiti, depois do terramoto, resolveu dizer que a casa de banho era óptima e que tinha papel e tudo. Eu, ingenuamente acreditei, mas logo percebi que ela era de facto uma optimista por natureza.
A casa de banho ficava numa outra tenda distante e tinha duas sanitas sem autoclismo e um alguidar cheio de água, com um pequeno balde. Eu quando vi aquilo, pensei: «Queres aventura…tens aventura! Com tudo o que ela implica…» Era o deserto que queríamos aí o tínhamos…
Depois de comer mais uma tagine de legumes e algumas laranjas frescas, fomos sentar-nos junto à enorme fogueira que acenderam no exterior do acampamento, para ouvir os tocadores de instrumentos de percussão. Parecia tudo perfeito, não fossem eles só terem tocado duas músicas, assim de uma forma meio ligeira, terem começado a cantar e a dançar, e nos passarem os instrumentos para tocarmos.

Em meio de nada, a magia da noite no deserto desvaneceu-se e as pessoas começaram a ir para as tendas descansar. Bastava mais um pouco de interacção connosco e a noite teria sido mais interessante. Quando me levantei, percebi que era fácil perdermos a orientação para a nossa tenda, pois em formato circular e à noite, eram todas iguais. A tenda não tinha grandes comodidades, além dos colchões e da luz da vela, mas dormi descansada tapada com os cobertores, apesar do vento que soprou com intensidade durante a noite.


Logo cedo, depois do pequeno almoço, também ele singelo, com leite e café e pão duro de véspera, com manteiga, voltámos para o camelo, para fazer o caminho de volta. Desta vez pelo menos já não fomos até tão longe, contrariamente ao que o programa da excursão indicava. Por isso, foi com satisfação que vi, após meia-hora de percurso, que o mini-bus já nos aguardava.


A primeira paragem da manhã foi para beber um chá de menta e seguimos para Ouarzazate. Aí existia uma importante kashbah, mas acabámos por não a visitar, optando por circular pelas lojas em volta da mesma e fazer algumas compras, sobretudo as meninas que fizeram bons negócios e regateios.
O almoço foi num restaurante com terraço e desta vez aproveitei para provar a Tagine de Kefta (mais uma variante de tagine), mas com tomate e carne picada, tipo almôndegas.


No caminho para Marraquexe, passámos pelo exterior de um estúdio de cinema, em Ouarzazate, percorremos vales e montanhas, vimos diferentes tipos de arquitectura, de pessoas e de trajes. A paisagem da montanha do Atlas é sublime, faz-nos sentir pequenos perante a sua imponência. A meio caminho começou a cair uma chuvinha miudinha e a temperatura começou a descer.
Ao entrarmos em Marraquexe, ainda cheirava a terra molhada. Mas desta vez, a entrada na cidade não teve o mesmo impacto que dois dias antes nos causara. Naquele domingo à tarde, na praça acumulava-se já uma densa multidão. Havia gente nos terraços dos restaurantes, nos telhados, parecia decorrer um espectáculo na praça e isso atraíra ainda mais gente do que o habitual. Mas, na verdade aquele caos, para mim, era já organizado. Já não me fez diferença que os carros ou as motas circulassem entre nós, que os grupos folclóricos tocassem e tocassem a troco de uma fotografia e posterior pagamento, que os macacos soltassem para os colos dos turistas, que os encantadores de serpentes tocassem. Passados dois dias aquilo era já a minha realidade naquele local.
Ao jantar voltámos à praça para comer nas banquinhas de comida. No meio daquela gente toda, a comida até parece saber melhor e os preços não ultrapassam os 70 dirahms (equivalente a 7 euros). O que aí me fez confusão foi a pobreza que nos circula, enquanto comemos. Pedintes que nos pedem comida, coma fome estampada nos rostos, a ponto de em actos de desespero, me terem tirado do prato restos de comida ou ossos de frango. Não posso deixar de me impressionar com esta miséria, enquanto nós turistas nos divertimos. Pessoas que têm este tipo de atitude, assemelham-se a animais na luta pela sobrevivência… mas enfim, fiquei triste com esse lado que vi nos dois dias em que jantei na praça.
O resto da noite foi para aproveitar e fazer as últimas compras no souk e aproveitar o espírito de Marraquexe. Como diz Miguel Sousa Tavares, não tenho dúvida que esta é mesmo “a cidade da alegria” e ao que me pareceu também, uma cidade que nunca se cansa, nem dorme.

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