domingo, 9 de maio de 2010

6º Dia – Fez

Amanheceu cedo. Enquanto as minhas companheiras de quarto ainda dormem, eu já estou acordada e já tomo notas do diário de viagem dos dias anteriores. Acordo cedo com o barulho e claridade da cidade. Não consigo dormir muito quando estou de férias…
Como não tínhamos ainda hotel marcado e porque não queríamos desperdiçar o nosso dia em Fez, fui com os dois colegas em busca dos hóteis que o rapaz da recepção do hotel nos indicara na noite anterior. Depois de ligarmos para o primeiro da lista, conseguimos logo reserva. Por isso fomos até ao Narjiss oficializar a reserva e voltámos ao Nouzha, para recolher as bagagens e tomarmos o pequeno-almoço, num simpático café em frente ao hotel.
Depois de deixarmos as malas no Narjiss, seguimos de carro para a parte velha da cidade, Fez-el-Bali.

Este núcleo antigo, que remonta ao séc. IX, é encerrado por muralhas defensivas, apresentando no seu interior medinas históricas. É o rio Wadi Fés que separa os dois marcos históricos: o bairro Andaluz para leste e o Bairro Karaouiyne para oeste.
Ao chegar a Fez-el-Bali foi fácil arranjar um arrumador que nos indicou o local onde podíamos estacionar o carro, e que se ofereceu para nos acompanhar. Como já sabíamos que é quase impossível explorar a medina histórica sem ser a pé e com guia, devido ao traçado labiríntico e irregular da mesma, depois de chegarmos a um preço razoável, aceitámos que o homem nos acompanhasse. Qual não foi o nosso espanto, quando o homem saiu a correr para uma das ruas e disse para esperarmos. Passado um ou dois minutos, regressou e trazia um outro consigo. Contou-nos que era seu familiar (não me recordo o grau de parentesco, se é que essa história era verdadeira…) , que ele era guia oficial e que por isso era ele que ia connosco. Apesar do esquema montado, não achei mal, afinal ele era a nossa única garantia para conhecermos a medina o dia todo, sem nos perdermos, a troco de 4 € a cada um de nós. Tendo em conta o emaranhado das ruas e a confusão que nelas reinava, penso que esta foi a melhor opção.

Ao começarmos a seguir o nosso guia, Mohamed, a primeira coisa que ele fez foi sacar de uma gravata que trazia no bolso e de um crachá que o distinguia como guia oficial. Como não sabia fazer o nó na gravata pediu a um de nós que lho fizesse e justificou-se dizendo que os guias têm de andar devidamente apresentados, e realmente ele, de calça, camisa e gravata, distinguia-se dos demais. Outro aspecto que achei bastante curioso, foi ele dizer-nos que nos ia mostrar o bairro andaluz e o de Karaouiyne, e os aspectos mais importantes, e depois se quiséssemos podíamos então fazer compras, mas primeiro dar atenção ao que ele nos dizia e mostrava, porque ele era um guia intelectual….
O Mohamed começou por nos mostrar o bairro andaluz, que sofreu a influência dos mouros expulsos pelos reis católicos de Espanha. À medida que nos entranhávamos no bairro, íamos vendo recantos sombrios, corredores sem luz natural que nos transportavam para becos e ruelas, portas de escadas entreabertas, curvas apertadas. Num instante nos perderíamos ali sem um guia. Sem nos apercebermos bem como, confluímos num mercado local repleto de legumes, de peixe, e produtos hortícolas. As pessoas olhavam para nós, e as crianças saudávamo-nos. Não havia por ali turistas naquela zona do bairro, e por esse aspecto, acabei por me sentir privilegiada por estar a andar numa massa compacta de turistas que segue por todo o lado, sem observar, sem sentir o cheiro das coisas, os sons, e olhar para o modo de vida das pessoas com um pouco mais de atenção. Essa parte para mim foi fantástica, porque me senti mesmo no território deles.

O guia levou-nos a ver a Place el-Seffarine, onde se localizam as oficinas dos caldeireiros e dos trabalhadores do bronze e vimos de fora a fachada da Biblioteca Karaouiyne, do séc. XIV.

Visitámos uma Medersa (estabelecimento cultural e religioso, que funcionava como escola residencial, e que era uma extensão da grande universidade-mesquita), observámos as mesquitas (do lado exterior claro), e entrámos em alguns estabelecimentos comerciais, como lojas de tapetes, de curtumes e peles, bordados, entre outros (lá se foi a intelectualidade do guia…). Nesses locais, tivemos de assistir a uma demonstração dos produtos com a finalidade de nos venderem alguma coisa. A verdade, é que num instante, se não estivéssemos bem mentalizados, acabávamos comprando os tapetes, ou o que fosse mais… A técnica de persuasão deles é quase hipnótica, mas a realidade é que funciona…


O que mais me impressionou na visita foram as fábricas de curtumes, localizadas geralmente junto a cursos de água. O curtimento é uma arte com tradição de milhares de anos. O processo transforma pele de animais em couro macio e que não apodrece. Depois de curtidas, as peles passam para os artesãos as trabalharem.
Quando subimos ao último andar destas lojas de curtumes, podemos admirar e sentir a experiência visual e olfactiva da lavagem das peles, a tal ponto que quem nos conduz ao local, nos dá um pouco de hortelã para cheirarmos, para atenuar a forte fragrância. Trabalham nestas fábricas famílias inteiras, gerações inteiras. Para que o trabalho dê para todos, eles organizam-se e em cada dia da semana trabalha uma família diferente. A pele é limpa com excrementos de pombo, o que torna o ar irrespirável, devido ao amoníaco que é libertado nas fezes. Podemos admirar também as tinas, onde se mergulham as peles, depois de removidos o pêlo e a carne, e as tinturarias, onde se tingem as peles (obtidas a partir de pigmentos naturais de certas plantas e minerais). As peles curtidas são depois penduradas a secar nos terraços da medina.
Fez é realmente uma experiência mirabolante! Perdido numa ruela suja e pouco iluminada, encontrámos um verdadeiro palácio, que seria o local onde iríamos almoçar. O preço não foi muito barato, mas atendendo às condições da medina, e ao facto de termos fome, pareceu que não foi má ideia.


A seguir ao almoço, a visita começou a perder tanto interesse, o guia arrastou-nos de loja em loja, dos conhecidos dele, e rapidamente nos começámos a sentir cansados e fartos de tanto comércio. Ao ver o nosso esmorecimento, o guia ainda tentou negociar connosco um táxi, mas ao ver que não queríamos apanhar táxi, obrigou-nos a percorrer um longo percurso, sempre a bom ritmo (eu até brinquei dizendo que ele parecia mais um personal trainner, que marca o passo da caminhada, sem nunca abrandar). De repente, quando saímos das ruelas, desembocámos num largo, onde se viam várias bancas de venda de roupa, como se tivéssemos entrado na Feira do Relógio, gente e confusão na rua não faltava, mas aquilo já não era tão característico como no interior da medina.


Finalmente, o guia lá nos levou até ao local onde tínhamos deixado o carro e saímos de Fez-el-Bali. Daquilo que vi de Fez, esta foi mesmo a parte melhor e a que valeu mais a pena. A Nouvelle Ville, onde estava localizado o hotel, era uma zona residencial e comercial sem muito interesse.

1 comentário:

oasis dossonhos disse...

São lindas e intensas, as tuas fotografias.
Bem hajas por partilhar todo esse encanto.
LFM

Alpha: a história de uma amizade que sobrevive há milénios

Alpha é um filme que conta uma história que se terá passado na Europa, há cerca de 20.000 anos, no Paleolítico Superior, durante a Era do...