«Cá está outra vez a cidade da alegria» - foi a primeira coisa que pensei. Como é bom voltar a Marraquexe, a mais mágica das cidades do deserto! Devagar, deixamo-nos engolir pela cidade, caminhamos ao lado da multidão, em ruas onde se conquista, metro a metro, o espaço disputado aos peões, burros, carroças, motos, bicicletas, carros. Uma torrente eléctrica de fraca potência filtra a poeira suspensa no ar e caminhamos como se estivéssemos dentro de uma nuvem – de vozes, ruídos, cheiro a lenha queimada. (…) Não deve haver ninguém que fique dentro de casa assim que o Sol se põe: é como se a cidade inteira celebrasse a vida todos os fins do dia.» , Miguel Sousa Tavares, «Sul, viagens»
Riad Rahba
O segundo dia de viagem foi todo passado em Marraquexe. Tomámos o pequeno-almoço num cafezinho perto do hotel, onde pude saborear umas apetitosas panquecas marroquinas com mel. As pastelarias exibem abundantes bancas repletas de bolos, o problema é que a maioria deles exibe um amontoado de moscas e abelhas, o que à boa maneira ocidental causa um certo receio.
Depois de um bom pequeno-almoço percorremos a cidade em busca do Museu Dar Si Saïd, mas acabamos por visitar primeiro o Palais Bahia, bastante interessante, sobretudo pela sua arquitectura e pelos jardins e pátios, já que não apresenta recheio ou mobiliário.
Palais Bahia
Após, a visita encontrámos finalmente o Museu Dar Si Saïd. Este palácio construído no final do séc.XIX, foi convertido em museu em 1932. Entre as suas colecções encontram-se tapetes, armas, cerâmica, trajes e jóias, de grande beleza, pena é que nesse museu desconheçam noções como museologia, museografia ou conservação preventiva. Não devem ter técnicos qualificados, nem ter conhecimento de como se faz uma exposição, ou os cuidados a tomar com os objectos. Não quero ser preconceituosa, mas sim confesso que me fez uma certa confusão ir a um museu e ver as vitrinas todas sujas, com moscas mortas lá dentro, com suportes de esferovite antiquados, má iluminação, e sem contextualização nenhuma dos objectos. Acho que estes pormenores não terão a ver apenas com parcos financiamentos, mas com falta de sensibilidade para pequenos pormenores, que, sim, fazem toda a diferença.
Ao sairmos do museu, deixamo-nos emaranhar no tecido dos souks e deambulámos pelo bairro judaico. No souk comprei chá de menta, para fazer em Portugal e lembrar o sabor de Marrocos, e harissa, especiaria muito picante, feita a partir de uma malagueta, que se encontra no norte de Àfrica. Mas, ao almoço, bastou uma distracção e lá se foi a minha bela compra, deixei ficar as coisas no lugar onde comemos. O que vale é que voltei a comprar mais tarde o mesmo, noutro sítio. O almoço também não foi grande coisa, até porque a omeleta vegetariana que eu e outro companheiro de viagem pedimos, era simplesmente uma omeleta normal… simples!
À tarde com o calor a apertar e sem apetecer ter grandes planos acabei por ficar na esplanada de um café, na Praça Djemaa El Fna, à sombra, com uma brisa leve agradável, saboreando mais um delicioso chá de menta. Matar o tempo, ali me sentia eu. Sem nada para fazer, nada para pensar, nada mais importava ali. As rotinas, o stress, as ansiedades tinham ficado na Europa, ali o que importava era beber o chá, apreciar o ritmo da praça, admirar os turistas que chegavam, o que diziam, o que tinham comprado, desvendar os esquemas de venda que se preparavam entretanto… Ali sentia-me mesmo num mundo à parte, e estava a gostar disso, sem pressas, sem horários a cumprir!
Depois de repousar, demos mais um passeio pelos souks e acabámos por descobrir, num recanto escondido uma venda de antiguidades, a maior parte delas berberes, sendo que muitas poderiam ser mesmo peças de museu, possivelmente as esculturas africanas. Um dos membros do grupo da viagem, que procurava comprar em Marrocos instrumentos musicais, conseguiu ali concretizar duas das suas compras.
Ao fim da tarde, fomos fazer um passeio de “caleche” (charrete) por Marraquexe. Depois de muito negociarmos e de termos empatado o trânsito, porque o homem da caleche decidiu negociar o preço no meio da praça, lá nos decidimos. E ainda bem que o fizemos, pois através deste passeio, descobrimos uma zona nova da cidade, que não tínhamos ainda visto: Gueliz. É aí que se encontram as grandes lojas de marcas internacionais, as grandes cadeias de hotéis, os bares, o casino, o célebre Hotel Mamounia, onde ficou hospedado Winston Churchill entre outros famosos, e os bairros ricos da cidade. Só desta forma descobrimos que Marraquexe tem enormes assimetrias sociais e económicas.
No fim do passeio regressámos à Praça Djemmaa El Fna. Caía a noite e as luzes iluminavam a praça. O movimento intensificara-se e os restaurantes “móveis”, que víramos horas antes a serem transportados e ali montados enchiam-se de gente. No ar, o cheiro a brasa e a grelhados misturava-se com o cheiro da menta e das especiarias.
Jantámos num restaurante da praça e desta vez provei uma Tagine de Frango e um prato de frango com limão. Estava delicioso, apesar do atendimento não ter sido dos melhores. Felizmente, desde que pedimos auxílio a um rapaz na praça, onde comemos no dia anterior, que nos esclareceu como funcionam as gorjetas nos restaurantes, nunca mais passámos vergonhas…
Regressámos ao Riad para nos preparamos e descansarmos para a viagem ao sul que encetaríamos no dia a seguir. Enquanto isso, na praça havia um palco onde actuavam grupos folclóricos, e um pouco por todo lado pequenos grupos se formavam para ver pessoas jogando, dançando, tocando, cantando… Marraquexe é uma cidade que vive intensamente cada momento. Sensação igual só tive em Amesterdão…onde se sente o buliço e o sentimento de liberdade.
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